Iltami Rodrigues

No final do ano de 2010, quando disputava o voto dos tocantinenses com Carlos Henrique Gaguim, o então candidato Siqueira Campos, em um de seus programas eleitorais, aparece visitando uma escola de tempo integral em Palmas, construída na gestão do petista Raul Filho (Confira o programa aqui). Na ocasião, Siqueira ressaltou que a construção de escolas com essa modalidade de ensino seria impulsionada em seu futuro mandato. Em seu plano de governo ele deu números à pretensão: construiria 18 escolas de tempo integral em diversas regiões do Tocantins.

“Números impressionantes”

Eleito, Campos surpreendeu ao convidar Danilo Melo para comandar a secretaria de educação e deu a ele a incumbência de implantar escolas estaduais de tempo integral. Melo, na época, era uma estrela no secretariado de Raul Filho pelo trabalho desenvolvido na estruturação da política de ensino integral da capital, amplamente premiada e referência no país nessa modalidade de ensino. Após três anos, o governo comemora o que considera resultados importantes nessa área. São números impressionantes. Segundo a Secretaria Estadual de Educação (SEDUC), o governo possui hoje 50 escolas de tempo integral (ETI) onde estudam mais de 103 mil tocantinenses. O governo afirma ainda que em 2010 o número de matrículas nessa modalidade de ensino no Estado era de 3 mil alunos. O feito se torna ainda maior quando se compara a rede de educação integral com a de outros estados brasileiros. Segundo o periódico EDUCAR (Nº 15, Dezembro/2013), editado pela SEDUC, “Pernambuco, Estado pioneiro na prestação de serviços educacionais em regime integral possui 130 mil alunos matriculados”. O Tocantins estaria assim muito bem posicionado, à frente do vizinho Goiás (com 20 mil matrículas) e até de São Paulo, o mais rico Estado da Federação, que possui “apenas” 50 mil alunos matriculados em escolas de tempo integral.

Marca pessoal

O governador Siqueira Campos aprova o trabalho desenvolvido por Melo à frente da educação tocantinense e da política de implantação de Escolas de Tempo Integral (ETIs) a ponto de imprimir nela uma marca pessoal. Projeto do executivo (Lei nº 2.810) propôs e conseguiu aprovar na Assembleia, em dezembro passado, a inclusão do termo GIRASSOL no nome de TODAS as ETIs em funcionamento no Tocantins. Como se sabe o Girassol remete diretamente à figura política de Campos ao ter sido escolhida por ele como símbolo de seus governos e de suas campanhas eleitorais desde à época em que comandava a União do Tocantins, durante a década de 90.

Incerteza

Se tomarmos apenas os números apresentados (50 escolas de tempo integral/ 103 mil alunos matriculados em 3 anos) e dermos crédito à publicidade palaciana significa, dignos leitores, que o Tocantins vive uma revolução educacional. Nesse caso, seremos obrigados a reconhecer o mérito e adaptar a recomendação bíblica “dando a Siqueira o que é de Siqueira”, por ter colocado a educação num patamar superior, alçando-a a condição de prioridade entre as prioridades. Mas se, precavidos, nos valermos, por um instante, do adágio popular que diz “de longe toda serra é azul”, veremos que esses números “perdem a cor” quando submetidos a uma análise mais atenciosa.

Esperteza na mídia

Na realidade, o governo do Tocantins construiu até agora 10 escolas de tempo integral - em Paraíso está em construção a 11ª com capacidade para 1500 alunos. Quando cita, em suas peças publicitárias, 50 unidades é porque, espertamente, o governo inclui na conta dezenas de escolas regulares que foram reformadas e/ou ampliadas e elevadas à condição de ETI. As unidades reformadas/ampliadas recebem sensíveis modificações em sua estrutura (construção de quadra coberta, biblioteca, banheiros, salas de informática) e já recebem o título dispensando discussão com a comunidade escolar, pais e alunos se suas condições realmente atendem os estudantes em suas necessidades educacionais em regime de dia inteiro na escola. Relatos dão conta de que boa parte dessas unidades atendem em condições precárias.

A “mágica”

A estratégia palaciana em se mostrar comprometido com mudanças profundas na educação tocantinense vai além. As 50 ETIs (incluindo a de Paraíso que só fica pronta no segundo semestre) atendem cerca de 15.000 alunos. A mágica do secretário Danilo e do governador Campos para alcançar a marca de 100 mil estudantes atendidos pelo regime em tempo integral está em considerar cerca de 53 mil alunos atendidos pelo Programa Mais Educação do Governo Federal distribuídos em 386 escolas regulares e mais 25.625 que do Programa Pioneiros Mirins além de cerca de 10 mil atendidos pelo programa federal Ensino Médio Inovador (EMI), também do Governo Federal.

Programas

O programa Mais Educação existe desde 2008 e permite a escolas regulares estenderem a carga horária de determinados alunos em turno oposto ao qual estuda regularmente. Em resumo transfere recursos para a unidade credenciada por meio do PDDE e FNDE para pagamento de professor, aquisição de material pedagógico e etc, que possibilite implementar aulas extras que contemplem pelo menos três entre dez áreas temáticas que o programa denomina macrocampos. Trata-se, portanto, de uma complementação pedagógica que visa ampliar espaços de educação do aluno em atividades que ele não tem acesso em horários regulares. Mas, daí considera-los como estudantes de regime integral (metade dos 100 mil) é forçar uma situação que infla artificialmente os números apresentados pelo governo, algo que interessa apenas a ele em sua política de propaganda. Os atendidos pelo Programa Pioneiros Mirins (25 mil alunos), também somados nessa conta Mandrakiana, tecnicamente não se encaixam no modelo integral de ensino. O mesmo ocorre com os estudantes secundários atendidos pelo programa EMI do governo federal.

Educação integral x Educação em tempo integral

A discussão acerca da necessidade, alcance, viabilidade e limites da educação em tempo integral avança no Brasil. Não é algo novo. Desde o pioneirismo de Anísio Teixeira, na Bahia, até a experiência dos CIEPs no Rio de Janeiro (os famosos Brizolões que ganhariam o nome de CIACs e depois CAICs), visões e ideias se debatem sobre como deve ser implantada essa iniciativa frente à imensa diversidade cultural, social e econômica do país. Inúmeras experiências ganham corpo Brasil afora, algumas muito sérias, pensadas a longo prazo, discutidas com a população interessada e comprometida com a “educação integral” do estudante e não apenas com “educação em tempo integral” que duplica o tempo do aluno na escola sem mudança significativa no currículo. Outras se desenvolvem ligadas a visões políticas imediatistas, sem discussão com o público que visa atender, comprometidas especialmente com quantitativos que comprometem o qualitativo e construídos sob medida para serem bradados num palanque qualquer. A experiência tocantinense até aqui tem pouco do primeiro caso e muito do segundo.

O erro

A contribuição de Siqueira e Melo para a ampliação da educação em tempo integral no Tocantins é imensamente menor do que a propaganda oficial alardeia. Mas ela existe. As ETIs construídas realizam um trabalho que não deve ser desprezado. Com o tempo devem acumular experiências que podem servir no futuro para redefinição de rumos. Afinal, nós aprendemos após cometermos alguns erros, não é mesmo? Mas este governo cometeu um erro grave quando buscou implantar esse “novo” modelo de ensino condicionando-o aos seus interesses eleitorais. Uma política educacional - por mais que se queira avançar rápido para atenuar o prejuízo por não tê-la implementado antes, carece de tempo para surtir efeitos – não deve se render ao imediatismo. O preço que se paga ao agir assim é comprometer o objetivo principal da política implementada: a qualidade do ensino prestado. Que o governador e o seu secretário se lembrem disso antes de pedir ao povo mais quatro anos de poder. 

Perfil do colunista

ltami Rodrigues da Silva é Historiador – Professor no Colégio João XXIII em Colinas do Tocantins e Colunista do Araguaína Notícias.Graduado em História pela UNITINS - Araguaína; Professor da rede pública desde 2001; Professor de História do Tocantins na FIESC - Colinas entre 2009/2011; Co-autor do livro À Sombra da Estrada: a construção da Belém-Brasília e a fundação da cidade de Colinas - 1960/1965.;Finalista, como professor orientador, da 4ª Olimpíada Nacional em História do Brasil - UNICAMP/SP - 2012. Endereço eletrônico: Iltamihistoria@hotmail.com

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