Política

Esquerda versus Direita e os destinos de um país em jogo

Nos últimos anos o Brasil, uma das maiores democracias do mundo, vem enfrentando uma realidade sem precedentes em sua história

Os problemas são estruturais e estão além do debate entre Direita e Esquerda.
Foto: Divulgação


Nos últimos anos o Brasil, uma das maiores democracias do mundo, vem enfrentando uma realidade sem precedentes em sua história: uma polarização política que insiste em não ser superada. O ponto de partida, podemos dizer, é o ano de 2013. Naquele ano, Dilma estava encerrando seu primeiro mandato presidencial para o qual foi eleita em 2010. Manifestações de rua cobriram o país, de norte a sul. Inicialmente, a pauta era contra os aumentos nas tarifas dos transportes coletivos, mas o problema foi aos poucos se ampliando. As manifestações tomaram outros rumos, crítica à política e seus representantes.

No ano seguinte, 2014, numa espécie de presságio das manifestações do ano anterior, iniciou-se em Curitiba, uma operação da Polícia Federal em parceria com o MPF que, ao investigar um posto de combustíveis usado para movimentar recursos de origem ilícita, descobriu-se uma rede de corrupção que envolvia grandes estatais, a Petrobrás principalmente. A chamada Operação Lava Jato começou a enquadrar, um a um, vários políticos e executivos da empresa que haviam usado sua influência para praticar corrupção, desviando dinheiro para abastecer o bolso de agentes políticos e partidos. Como estava-se no governo do PT, esse partido foi alvejado pela operação.

Naquele mesmo ano, Dilma se candidatou à reeleição. Não se imaginava que conseguiria vencer o seu principal oponente: Aécio Neves. Esse último, até então, líder do PSDB e crítico ferrenho do petismo. Dilma foi reeleita com uma diferença pequena de votos. A oposição ao petismo não se conformou e elegeu o PT, na era da Lava Jato, o símbolo da corrupção. Mas a vitória de Dilma foi seguida de um erro fatal: ela e seu partido simplesmente não reconheceram que naquele instante o país saiu dividido da eleição. Em vez de conclamar a população a se unir em torno de um projeto de país, sobretudo o que deu certo na era Lula e no seu primeiro mandato, Dilma fez o oposto, deu as costas para quem não votou nela, decidiu governar só para quem era simpático ao petismo, sua queda começou a se desenhar.

Desde o primeiro dia do seu segundo mandato, em 2015, Dilma não teve sossego. Problemas econômicos, tentativas de maquiar a realidade das contas públicas fez crescer o cerco contra a presidente. Uma população dividida, a Operação Lava Jato escancarando práticas corruptas em estatais minou o apoio de um congresso sob a então liderança de Eduardo Cunha que, para esconder sua própria biografia de gangster, liderou seu partido, o PMDB e os alinhados a ele, no processo de impeachment de uma presidente sob a qual jamais ficou provado nenhuma prática corrupta, nem no exercício de seu mandato, nem fora dele.

O ano de 2016 chegou e o afastamento de Dilma foi aprovado em definitivo. Seu vice, Michel Temer, assumiu o mandato e com ele o grupo político do agora MDB. Naturalmente, alguém tinha que ser escolhido para ser o bode expiatório da corrupção, o PT. Temer passou a ser visto como presidente de forma legal, por ser o vice eleito, mas não legítimo, pois não tinha aprovação nem a simpatia da população, o país continuava dividido, mesmo com a queda do PT.

No ano seguinte, 2017, áudios gravados entre um dos herdeiros do grupo JBS, um dos maiores conglomerados empresariais do país, revelaram que Temer havia dado aval para a compra do silêncio de Eduardo Cunha, o presidente da Câmara que havia liderado o processo de impeachment de Dilma. Eduardo, preso em Curitiba pela Operação Lava Jato, revelou-se um dos políticos mais hábeis do congresso, mas também um dos mais corruptos. Temer, o MDB e políticos de vários partidos, entre eles Aécio e o PSDB, caíram na mesma armadilha que montaram pra Dilma, revelou-se que quem antes a acusou, na verdade, deveria ter sido acusado desde o primeiro momento.

Nesse ambiente de corrupção quase generalizada no espaço político do país, de uma presidente cassada, ao que parece injustamente, de uma operação investigativa e policial que escancarou o outro lado do país, cresceu assustadoramente a descrença de importantes setores da sociedade com a política dita “tradicional”, sobretudo cresceu de forma impressionante a repulsa ao petismo, aos partidos de esquerda, a quem, erroneamente, atribuiu-se quase que exclusivamente como os responsáveis pela corrupção e os problemas do país.

O ano de 2018 chegou e o processo eleitoral evidenciou um fenômeno pouco estudado na atualidade: o papel das redes sociais na condução não só dos destinos individuais, mas também de nações. No processo eleitoral, polarizou-se de um lado o candidato do PT, partido já enfraquecido moralmente, e o candidato da extrema direita. Como que numa rede de divulgação de notícias falsas a serviço de Bolsonaro, o uso de um discurso radical de solução de problemas na área da segurança e, principalmente, a rejeição ao petismo, Bolsonaro foi eleito com ampla votação.

Na verdade, a ascensão de Bolsonaro à presidência é resultado entre outras situações, creio, do enfraquecimento do discurso da esquerda que, ao chegar ao poder, se corrompeu e pior, ao se corromper, nunca reconheceu seus erros. O povo, ao que parece, em sua maioria, parece não acreditar mais no discurso da esquerda, principalmente, porque ela não faz autocrítica de seus erros enquanto governo. Basta ver a situação do ícone do petismo: Lula, um líder carismático e que se mostrou competente quando presidente, mas ao ser condenado em várias instâncias da justiça, sequer cogita em reconhecer que errou.

Em 2019 estamos e o que dizer dos primeiros anos do novo governo, aquele que foi eleito como resultado da forte rejeição aos governos petistas que, sem sombra de dúvidas, tiveram muitos méritos, sobretudo no campo social e educacional? Sobre os primeiros meses desse novo governo, sobra trapalhadas e inexperiência administrativa. Sem falar nas incertezas que assolam áreas sensíveis e prioritárias como educação, previdência e meio ambiente. Para fugir da flagrante incompetência e falta de rumo, o presidente e seus auxiliares, com exceção do economista Paulo Guedes que possui uma visão racional do funcionamento do Estado, os outros, se apegam em pautas sem importância para o país como os costumes e o combate a influência do marxismo na educação.

Finalmente, triste é constatar que o que se percebe é que o país, desde 2013, portanto há seis anos, encontra-se no meio do fogo cruzado entre um discurso de esquerda e um de direita. O de esquerda que governou o país por 13 anos, promoveu muitos avanços, mas cometeu deslizes e pior, não reconhece seus erros. O de direita, inexperiente para não dizer incompetente, utiliza a rejeição à esquerda como instrumento para se manter no poder, hipnotizando grande parte da população, elegendo inimigos para o país que na verdade não existem. Os problemas do Brasil são estruturais e estão além do debate entre Direita e Esquerda. Nesse ínterim, mais grave do que o país ter dúvidas quanto ao seu futuro, é ter dúvidas quanto ao seu presente, onde sobra ódio e intolerância e falta entendimento, diálogo e foco nos principais problemas do país.

Sobre o autor:

Raylinn Barros da Silva: Doutorando e Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás