Política

Governo trava "guerra" contra universidades, aponta historiador araguainense

Nos últimos dias, intensas notícias e discussões vem colocando em debate o papel da universidade na sociedade brasileira.

Foi noticiado que as universidades sofreriam com esse corte
Foto: Divulgação

Nos últimos dias, intensas notícias e discussões vem colocando em debate o papel da universidade na sociedade brasileira. O governo de direita eleito no país anunciou cortes no investimento em educação. A princípio, foi noticiado que as universidades sofreriam com esse corte, mas depois, soube-se que todos os níveis da educação teriam recursos contingenciados, da educação básica à pós-graduação. Não é objeto desta reflexão entrar no mérito se essas medidas estão corretas ou não, se necessárias ou não, mesmo sabendo que educação deveria ser a área mais prioritária de um país.

Mas essas discussões que terminaram por colocar a universidade pública brasileira no “olho do furacão”, segundo nosso entendimento, ressuscita uma questão ainda maior: o que é formação intelectual e quais os seus limites. Por que acreditamos que é esse o “pano de fundo” desse debate? Porque pelo que se verifica, o atual governo e seus ideólogos ao adotarem essa medida de corte orçamentário na educação, sobretudo os cortes na educação de nível superior, na verdade, travam uma “guerra” ideológica contra as universidades públicas brasileiras, a quem, ao que parece, eles atribuem o estatuto de inimigas do atual governo.

Como sabe-se, a formação intelectual é compreendida em três níveis, o fundamental, o médio e o superior. Segundo o texto constitucional, a educação fundamental é tarefa dos municípios, o nível médio tarefa dos estados e a educação superior, tarefa, prioritariamente, do governo federal. E justamente por ser tarefa do governo federal que esse nível de ensino parece ser é o alvo principal das políticas do atual governo.

A educação superior, também denominada de formação universitária, tem na universidade seu espaço. Ela é subdividida em cinco níveis: Graduação, Especialização, Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado, esse último, espécie de aperfeiçoamento ou estágio que pode ser feito após o doutorado. Muito embora seja uma etapa posterior ao doutorado, ele não é obrigatório no sentido de continuidade ao Doutorado. É tido como um período de “amadurecimento final” para o pesquisador.

Se a formação intelectual alcança seu nível mais elevado com a formação universitária, qual seria, então, o sentido da formação intelectual? Compreendemos que, para além de todos os sentidos que a formação intelectual possa oferecer ao indivíduo, está o que consideramos, como principal, a relação entre conhecimento e engajamento. Por conhecimento, no sentido mais resumidamente possível, infere-se que é o ato ou efeito de conhecer. Esse ato de conhecer, de se chegar a determinado conhecimento pode ser através de dois caminhos: a razão (raciocínio) ou a experiência (experimentos).

O filósofo grego Sócrates, considerado um dos maiores da história da filosofia, defendia a maiêutica, termo que significava “parir”, “dar à luz”, fazer “nascer” o conhecimento. Segundo ele, ao multiplicar as perguntas, induz-se o interlocutor nas descobertas de suas próprias verdades. Acredita-se que objetivo da formação intelectual, segundo o método socrático, encontra na universidade o espaço privilegiado do “parto do conhecimento”, lugar onde o indivíduo em grupo, e com as discussões e debates em grupo, alcançaria a sua maioridade intelectual.

Mas ao longo do tempo, com a socialização cada vez maior das pessoas e grupos humanos, com o surgimento da sociedade moderna, surgiu também grandes desafios à humanidade e as sociedades: problemas de toda sorte: sociais, políticos, culturais. E o homem se viu na encruzilhada de não apenas conhecer, mais ainda, lutar pelas transformações em seu meio. Essa luta pelas transformações em seu meio terminou por colocar sobre o homem a possibilidade de uma nova postura além do ato de conhecer: a de se engajar.

Engajamento é o ato de ir além do conhecimento, mas de buscar operar mudanças, transformações. No meio acadêmico, o célebre referencial na defesa de que o intelectual não deve se ater apenas ao conhecimento, mas também, ao engajamento, nos foi dado pelo filósofo francês Jean Paul Sartre. Importante voz do mundo acadêmico francês e mundial do século XX, com ele, a universidade entendeu que sua função está além de estabelecer os caminhos para a formação intelectual, mas nela também reside a função de despertar a sociedade para a transformação, por meio do engajamento.

Qual o limite então da formação intelectual, segundo nossa compreensão? É não buscar um meio termo entre o conhecimento e o engajamento. As universidades públicas no caso brasileiro, nas últimas décadas, se transformaram em espaço privilegiado de resistência e de crítica às transformações políticas e sociais tidas como equivocadas para a população. Foi assim na época do regime militar, está sendo assim nesse momento de ascensão de um governo assumidamente de direita. O resultado não poderia ter sido outro.

Nos últimos governos de esquerda, a universidade pública, felizmente, foi altamente assistida em suas demandas. Diversas universidades foram criadas, o que gerou uma expansão nunca vista no ensino superior brasileiro. Naturalmente, esse setor da sociedade, com o fim dos governos de esquerda e a ascensão da direita, seria um dos “alvos” das novas políticas de governo.  Essa realidade, portanto, coloca em debate a importância da universidade pública como instituição social, de conhecimento e acima de tudo, transformadora.

Finalmente, nenhuma sociedade no mundo prosperou criticando deliberadamente, cortando investimentos ou perseguindo suas universidades. A universidade como espaço privilegiado de produção do conhecimento, ela é ainda espaço de debate e também de engajamento, deve estar acima de ideologias políticas e, sobretudo, ideologias de governos que são, acima de tudo, passageiros. Governos vem e vão, as universidades continuam como espaço onde tanto pode ocorrer o “parto” do conhecimento como defendia Sócrates, como lugar onde se “nutre” o engajamento como acreditava Sartre.

Sobre o autor:

Raylinn Barros da Silva: Doutorando e Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás