Senadora Kátia Abreu (PP-TO).
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

"Estamos precisando falar para o mundo que nos convertemos em um grande covidário. Representamos um risco global de ser produtor de novas cepas. Precisamos de vacinas, e muitas. Não pode ser a conta-gotas, como estamos recebendo", afirmou nesta segunda-feira, a senadora Kátia Abreu (PP-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, à BBC News Brasil.

Há semanas, Kátia Abreu articula uma ofensiva no Congresso, independente do Itamaraty, para tentar acessar mais doses de vacinas no exterior para a população brasileira. Seu foco está nos dois maiores parceiros comerciais do Brasil: EUA e China.

Ela já promoveu reunião entre senadores e o embaixador chinês Yang Wanming, levou ao ministro da saúde Eduardo Pazuello possibilidade de negociação com novos laboratórios chineses e seu último movimento foi costurar com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), uma carta apelo à vice-presidente americana Kamala Harris para que os americanos vendam ao Brasil parte de seu suprimento de vacinas AstraZeneca-Oxford, que ainda não tem autorização para uso emergencial pelo órgão regulador dos EUA, a FDA.

A carta foi encaminhada na sexta, 19/3 e até agora não houve resposta.

A ofensiva política acontece em meio ao recrudescimento da pandemia no país, que chegou ao patamar classificado pela Fiocruz de "o maior colapso sanitário e hospitalar da história do Brasil". Na última semana, com a morte de Major Olímpio (PSL-SP), a pandemia fez a sua terceira vítima fatal entre os 81 colegas de Senado de Kátia Abreu.

Em meio ao cenário, a troca de comando no Ministério da Saúde, com a chegada do médico cardiologista Marcelo Queiroga, que tem afinidade pessoal com a família do presidente, não agradou ao chamado centrão, que é hoje a principal base de sustentação do governo no Congresso e do qual faz parte o atual partido de Kátia Abreu, o PP.

A pressão no Congresso levou Bolsonaro a articular uma reunião de gerenciamento de crise entre os três poderes, marcada para terça-feira (23/3). O risco é que o Executivo acabe tendo sua conduta investigada em uma CPI da pandemia, contra a qual Bolsonaro e seus ministros tentam se vacinar.

Ainda neste sábado, 20/3, o Itamaraty divulgou via redes sociais que "desde o dia 13/3 o governo brasileiro, em coordenação com o Ministério da Saúde, está em tratativas com o governo dos EUA para viabilizar a importação pelo Brasil de vacinas do excedente disponível nos Estados Unidos".

O post foi interpretado em Brasília como um movimento defensivo do chanceler Ernesto Araújo diante da ofensiva de Abreu. Mas a tentativa de mostrar celeridade nas ações do Itamaraty pode não ter sido bem sucedida. Isso porque uma reportagem do jornal The New York Times, publicada no dia 11, já mencionava a discussão entre funcionários da gestão Biden e do laboratório britânico sobre a possibilidade de remeter doses de vacina sem uso ao Brasil.

Assim, mesmo depois de o assunto ter se tornado público, o Itamaraty ainda teria levado dois dias para acionar os EUA via mecanismos diplomáticos.

Segundo a BBC News Brasil apurou, o Itamaraty tenta estabelecer um acordo de venda das vacinas sobressalentes dos americanos com urgência - e disputa com dezenas de países por elas.

De acordo com a Casa Branca, os EUA possuem hoje, em estoque, cerca de sete milhões de doses da AstraZeneca - das quais 4 milhões já foram prometidas aos vizinhos Canadá e México, em acordos bilaterais. Mas veículos de imprensa locais como o próprio New York Times estimam que o estoque é maior do que isso, estaria por volta de 30 milhões de doses da AstraZeneca, já que os americanos possuem uma fábrica do imunizante em Baltimore, Maryland.

"Sabemos que eles estão sentados em cima de centenas de milhões de doses, dava para vacinar a população inteira dos EUA três vezes. Aí entra a geopolítica", afirma Kátia Abreu.

A pressão para que os americanos atuem em relação ao Brasil tem surgido na própria comunidade médica do país. No último fim de semana, a cientista da Universidade Yale, Akiko Iwasaki, especialista em imunidade virológica, e o epidemiologista Eric Feigl-Ding, que atuou por 16 anos em Harvard, fizeram comentários públicos sobre a gravidade da variante brasileira de coronavírus, a P1, e sobre a situação pandêmica no país.

"Há uma crise à qual todos precisamos prestar atenção: é a onda sem precedentes da variante P1 no Brasil, (com) hospitais sobrecarregados e aumento acentuado da mortalidade. Se a mais contagiosa variante P1 sair de controle ao redor do mundo, todos estaremos em perigo", escreveu Feigl-Ding no Twitter.

Iwasaki respondeu com um pedido para que as empresas Moderna e Pfizer adequem suas vacinas para combater a P1 mas destacou que "qualquer vacina ajuda".

Sob pressão internacional, nesta segunda-feira (22/3), a Casa Branca negou que esteja mantendo um "estoque secreto" de centenas de milhões de doses. Reafirmou que americanos são a prioridade e aventou a possibilidade de que as doses não usadas agora poderão ser importantes para a imunização de menores de 16 anos, hoje fora dos planos de vacinação no mundo todo.

Mas sinalizou que as vacinas não necessárias aos americanos podem ser encaminhadas ao mundo por meio do consórcio Covax, da Organização Mundial da Saúde (OMS), da qual o Brasil participa com a cota mínima de doses. "Continuamos comprometidos em trabalhar por meio da CoVax. México e Canadá são nossos vizinhos.

"(Há) Muito tráfego (entre os países). (Por isso), faz sentido fazer acordos bilaterais (com eles)", afirmou a porta-voz do governo Biden, Jen Psaki em coletiva.

A BBC News Brasil apurou, no entanto, que até sexta-feira passada (19/3), não havia previsão de que doses americanas engordassem o estoque do Covax a ser distribuído pelo braço panamericano da OMS aos países da região. Já o Departamento de Estado dos EUA não respondeu oficialmente se há ou não negociação para remeter vacinas ao Brasil.

"A parceria vai começar que horas? Essa é a hora do Biden ficar de olho, da China se mexer, mostrarem que são amigos. Porque um amigo não deixa o outro de joelhos, não. Queremos comprar, os americanos e os chineses têm pra vender. Vão nos deixar sofrendo? Nós aguentamos, mas jamais esqueceremos", afirma Kátia Abreu.

EUA e China acumularam problemas diplomáticos com o Brasil nos últimos meses. No caso americano, Bolsonaro chegou a falar em fraude nas eleições presidenciais, quando Joe Biden foi anunciado vencedor sobre o republicano Donald Trump, seu aliado. Com a China, o chanceler Ernesto Araújo e o filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, colecionaram rusgas com o embaixador chinês no Brasil via redes sociais.

Nada disso, para Kátia Abreu, poderia justificar que os dois países não socorressem o Brasil nesse momento.

"Não se pode nivelar o Brasil por baixo, por uma inadequação de dois ou três representantes brasileiros", afirmou a senadora, sem citar quem seriam tão representantes.

Segundo ela, o Brasil foi prejudicado pelo "negacionismo" do Executivo. O presidente Bolsonaro chegou a dizer que não compraria a "vacina chinesa do João Dória", em relação a Coronavac, que responde pela maioria das pessoas imunizadas hoje no país, e entrou em embates públicos com a Pfizer, de quem recusou contrato de venda de doses repetidas vezes no ano passado.

Dizendo-se desinteressada em brigas internas e focada na obtenção de vacinas, Kátia Abreu tenta se credenciar como interlocutora internacional.

"O governo brasileiro não é só o Executivo. Se o Executivo abriu mão da interlocução, nós no Congresso não vamos abrir", afirma a senadora.