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E se alguém me disser que quer cometer suicídio?

Se alguém confiar em você o suficiente para revelar que está pensando em suicidar-se, tenha em mente que ela pode estar lidando com um sofrimento insuportável ou uma situação em que a vida já não faz mais sentido.

Talvez seja necessário mais de uma conversa para que a pessoa se abra para falar sobre a temática do suicídio.
Foto: Divulgação

Seu José, mestre carpina,

que diferença faria

se em vez de continuar

tomasse a melhor saída:

a de saltar, numa noite,

fora da ponte e da vida?

Ouvir de alguém próximo, parente ou amigo, que ele ou ela quer dar um fim à própria vida pode, em um primeiro momento, ser um choque brutal, de tirar o chão de debaixo dos pés. Uma pergunta quase inevitável seria: por que uma pessoa desejaria causar a morte a si mesma?

O criador da Psicanálise, Sigmund Freud, no ano de 1910, já com cerca de 20 anos atendendo pacientes, ao participar de um congresso sobre o suicídio, também afirmava querer saber “como é possível subjugar o poderoso instinto de vida”, ou seja, que força poderosa está por trás da decisão de cometer suicídio? Dez anos depois, em 1920, no seu trabalho Além do princípio de prazer, o próprio Freud afirmaria que, entrelaçada à pulsão de vida, no nosso psiquismo também habita a pulsão de morte, uma força potente que eventualmente se coloca a serviço da destruição, não apenas dos outros, mas também da própria pessoa.

No famoso poema Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, no trecho que inicia este artigo, Severino, o retirante, pergunta a seu José, mestre carpina, que diferença faria entre continuar na vida ou cometer suicídio, ou seja, pular da ponte e da vida. Interessante observar que pular da ponte e da vida se coloca, para ele, Severino, como a melhor saída.

Para muitas pessoas essa saída, pular fora da vida, também é o que de melhor conseguem enxergar, porque continuar vivendo, a essa altura, já é uma tarefa insuportável. O suicídio, para se ter uma ideia, ceifa, sozinho, mais vidas que a guerra e o crime organizado juntos. Então, se alguém confiar em você o suficiente para revelar que está pensando em suicidar-se, tenha em mente que ela pode estar lidando com um sofrimento insuportável ou uma situação em que a vida já não faz mais sentido.

Frente a alguém que diz estar considerando a via do suicídio, algumas reações bem comuns por parte de quem ouve são:

1) tentar mostrar ao potencial suicida que a vida vale à pena ser vivida – tática que desconsidera, obviamente, que o outro talvez saiba disso, posto ser também um vivente. Isso acabar gerando mais angústia em quem já está desesperado, porque, sem saber, ao tentar mostrar o lado bom da vida se está dizendo, na verdade, que o outro é culpado por estar no fundo do poço onde se encontra, isso por não saber usufruir da vida, por não ser inteligente e forte o suficiente para lidar com as pedras no caminho, comuns a todo mundo: este é, então, o caminho da culpabilização de quem considerada o suicídio como saída;

2) um outro posicionamento seria aconselhar a pessoa a esquecer esses pensamentos negativos, a não dar atenção a eles e seguir com a vida, certo de que a superação é somente uma questão de tempo. Neste caso, entende-se que por negar esses pensamentos eles deixariam de exercer força e até mesmo desapareceria. Em artigo anterior, afirmamos, com base em Freud, que aquilo que se joga pela porta, volta pela janela, ou seja, pedir alguém para negar seus pensamentos suicidas é, para dizer o mínimo, uma estratégia muito ruim para quem quer ajudar; por fim, dentre muitas outras abordagens,

a 3) seria atribuir a pessoa um desejo de chamar a atenção e o recurso ao suicídio seria, então, uma forma de manipulação. Penso que tomar a manifestação de quem diz quer se suicidar por um jogo teatral é muito perigoso porque, no final da contas, em alguns casos não há mesmo como ter certeza se a pessoa está de fato sendo sincera ou não, mas quem vai querer pagar para ver? O melhor é levar a pessoa a sério, dando o crédito que seu familiar ou amigo precisa.

Algumas respostas

Do meu ponto de vista, algumas respostas à pergunta-título deste artigo, dentre outras possíveis seria:

1) ouça com atenção, com empatia, como se diz hoje em dia. Por empatia estou entendendo o seguinte: estar sintonizado na mesma frequência com a pessoa com quem você está conversando. Então, a ideia é não se evadir, nem física nem mentalmente. Mantendo-se na situação, com abertura afetiva, ainda que isso seja muito difícil e, quando julgar necessário, livre de julgamentos, faça perguntas que incentivem a pessoa em sofrimento a continuar falando, porque isso ajuda a elaborar e a baixar a tensão. Falar sobre o sofrimento pode transformar o modo como se experiencia esse sofrimento e, consequentemente, a visualizar, talvez, outra saída, que não aquela de pular da vida;

2) se possível, estabeleça um pacto com a pessoa para buscar ajuda especializada;

e 3) tenha em mente que nem sempre será possível ajudar alguém que está resolvido a cometer suicídio. Como diz o psiquiatra e psicanalista brasileiro Jorge Forbes, não é para tudo que há remédio nesta vida e, às vezes, o sofrimento ou a circunstância coloca a pessoa em situação limite para a qual não há possibilidade de alívio e na qual a vida já não faz nenhum sentido.

Este foi o caso de Sigmund Freud, o pai da psicanálise, que lutou por quase vinte anos contra um câncer na boca e passou por dezenas de cirurgia, em uma época que os tratamentos disponíveis para esse tipo de doença estavam muito aquém do que conhecemos hoje. Com 81 anos de idade, em sofrimento extremo, Freud optou pela via do suicídio e, em 23 de setembro de 1939, com ajuda de seu médico e amigo Dr. Max Schur, realizou o seu pulo da vida, como escreveu Ernest Jones, no seu Vida e obra de Sigmund Freud, em trecho com o qual finalizo este artigo: “na manhã seguinte, Schur deu a Freud um terço de uma dose de morfina.

Para alguém que havia atingido um ponto tal de exaustão, como Freud, e pelo fato de ser uma pessoa tão distante dos opiatos, essa pequena dose foi suficiente. Ele suspirou aliviado e mergulhou num sono de paz – achava-se evidentemente nos limites do fim de suas reservas. Morreu pouco antes de meia noite, no dia seguinte, 23 de setembro de 1939. Sua longa e trabalhosa vida chegava ao final e os seus sofrimentos terminavam".

Autor

Dr. Francisco Neto   

Dr. Francisco Neto Pereira Pinto

Psicanalista, escritor, membro da Academia de Letras de Araguaína e Região Norte do Tocantins, e professor no PPGDire/UFNT e no Unitpac.

fneto@uft.edu.br

 

 

[i] MELO NETO, J. C. Os melhores poemas. 4 ed. São Paulo: Global, 1994, p. 114.

[ii] FREUD, S. Introdução e conclusão de um debate sobre o suicídio. In: FREUD, S. Obras completas, vol. 9. Observações sobre um caso de neurose obsessiva [o homem dos ratos], uma recordação de infância, de Leonardo da Vince e outros textos. 4 reimp. Tradução de Paulo César de Sousa. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 390.

[iii] JONES, E. Vida e obra de Sigmund Freud. 2 ed. Tradução de Marco Aurélio de Moura Mattos. Rio de Janeiro: Jahar, 1975, p. 778.