Vício, frustração e vergonha marcaram o início de uma história daquelas que tinha tudo para dar errado, mas se transformou em um enredo de superação, exemplo e militância. Jurandir Miranda ou, como é chamado pelos amigos, "seu" Jurandir, aos 75 está prestes a receber o diploma de pedagogo outorgado pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Estudante do Câmpus de Miracema, ele defendeu seu Trabalho de Conclusão de Curso, o TCC, em março deste ano, ao fim do semestre 2013/2, discutindo as condições de autonomia da prática docente. Nos dias que antecedem a formatura, relatos dos professores, colegas e do próprio concluinte recordam a trajetória vitoriosa e inusitada.
História de vida
Seu Jurandir é assistente administrativo da Biblioteca Municipal de Miracema, mas antes de se tornar referência na comunidade miracemense por seu trabalho, sua militância no movimento estudantil e sua trajetória como estudante, foi alcoólatra durante 36 anos. Aluno do Curso de Pedagogia desde 2007, ele conseguiu superar o vício e conta que a vontade de cursar uma graduação veio da própria rotina de trabalho. "Eu olhava os estudantes passando pela biblioteca com os livros, achava bonito e sabia que eu precisava daquilo".
Mas ele já estava há mais ou menos 40 anos sem frequentar a sala de aula e sua escolaridade correspondia apenas ao antigo "ginásio", concluído em 1958. Por isso, foi cursar o Ensino Médio em um programa de Educação para Jovens e Adultos, e com o diploma da Educação Básica na mão foi prestar o vestibular da UFT. A primeira tentativa foi para entrar no Curso de Direito. Ele conta que ficou bem classificado, mas pelas dificuldades para ir à capital optou por não fazer a graduação. "Em seguida pensei: é Pedagogia que eu quero. Fiz o vestibular e passei entre os dez primeiros colocados", recorda.
Vida acadêmica
Sua passagem pelo Curso de Pedagogia é memorável. Bom aluno, admirado pelos colegas e atuante no movimento estudantil, seu Jurandir foi presidente do Centro Acadêmico (CA) no ano de 2008. Lembrando o tempo à frente da agremiação, ele se orgulha da luta pela construção de novos prédios no Câmpus de Miracema, e guarda de lembrança ofícios e atas que documentam o processo para a expansão da UFT no município. "Quando eu olho para o câmpus hoje, sei que faço parte dessa história."
A vice-presidente do CA na época e formanda da mesma turma, Cláudia Brito confirma a dedicação do então presidente. "Lembro que fomos à Câmara Municipal para conseguir a doação de um terreno, que era da prefeitura, para a UFT. Pra mim, essa foi nossa maior conquista. Quando conseguimos parecia que ele ia passar mal de tanta alegria. O Movimento Estudantil o fez muito feliz. Apesar da idade, ele é um sonhador", comenta a amiga e companheira de lutas.
Experiências adquiridas
Um dos quatro homens da turma que tem 36 mulheres, ele diz que é delas que vem a maior lição aprendida nos anos de faculdade. "Eu tive um casamento difícil, mas na sala de aula aprendi a respeitá-las e a entender o quanto elas se esforçam para estudar, trabalhar, serem mães e ainda enfrentar preconceitos. Nós todos dependemos das mulheres", afirma.
Para o professor Cláudio Freire, Jurandir é um exemplo a ser seguido. "Ele não desistiu, como tantos fazem. Conciliou o trabalho, a graduação e o ativismo estudantil. Eu dizia: "Jurandir, vai com calma... Será que você dá conta de tudo isso?" Mas ele surpreendeu a todos e fez uma monografia que eu considero de um nível acadêmico muito bom", afirma. "Ele provou que não existe idade para estudar e é um exemplo para a nova geração, que têm pouco hábito de leitura e escrita. O esforço dele fez com que recuperasse o tempo perdido", completa Freire, que orientou Jurandir na monografia de conclusão da graduação.
Atualmente Jurandir ministra palestras no Alcoólicos Anônimos de Miracema e apoia a amiga Cláudia em trabalhos de ressocialização na ONG Aliança para um Futuro Melhor. Ele afirma que as palestras e os projetos junto à ONG são sua prioridade agora. Palavras de inventivo para quem precisa é o que não vai faltar, ele garante. "Idade não é empecilho para viver, e estudar foi a minha ferramenta de superação", reflete.