Agora, o flanelinha José Mário Silva dos Santos, 52 anos, é aluno da Universidade de Brasília (UnB). Quer dizer, será, oficialmente, assim que efetivar sua matrícula. Ele não pretende perder a data, e entre agradecimentos divinos e contento pela realização, guarda uma saudade. “Nasci em casa de palafita sobre a maré. Sinto falta demais de uma prainha”, revela o homem, natural de São Luís (MA).
Zé Mário, atendendo ao tema Viagem a Marte sem volta, escreveu redação no vestibular sobre a possibilidade de habitação. Destacou a presença de água no Planeta Vermelho, o que viabilizaria a ocorrência de vida inteligente, e fez ressalva sobre a poeira radioativa, mortal à sobrevivência humana. O texto recebeu nota cinco no vestibular da UnB, o suficiente para que o flanelinha, morador de Planaltina, passasse para Gestão Ambiental no campus de sua cidade.
A escolha do curso foi por um motivo simples: “Uma amiga olhou a grade e não tinha Cálculo I. Além da minha afinidade pelo assunto, claro”, diz. Apesar disso, alega saber matemática e garante que, se preciso fosse, encararia equações exponenciais e logarítmicas sem temor. “Tenho facilidade em aprender e dominar conteúdo”, disse.
“Não me vejo como flanelinha. Sou mais um relações públicas, porque faço amigos, não patrões”, brinca. Ele garante tirar até R$ 1,5 mil por mês e afirma querer mudar de vida principalmente devido ao estigma de sua profissão. “Eu sei que sou não sou bem visto pela sociedade. Vou tentar abrir uma turma de capoeira no campus e viver disso”, diz.
Devido à amizade com um policial militar, que inclusive lhe cedeu a casa para morar após sua chegada a Planaltina, há nove anos, conseguiu bolsa de estudos em um cursinho preparatório local, em setembro último. “Me deram um mês para eu estudar para o Enem. Não consegui passar, mas tirei boas notas, renovaram minha bolsa e agora passei no vestibular”, afirmou.
História de vida
José Mário concluiu o Ensino Médio antes de deixar o Maranhão e morou em vários lugares, entre eles Rio de Janeiro e Recife. Mora sozinho desde os 15 anos de idade.
Desafios fazem parte de sua trajetória
Em sua trajetória, José Mário coleciona momentos difíceis. Tem quatro filhos, mas admite ter pouco contato com eles. Diz, inclusive, que só não evoluiu nos estudos, a exemplo de sua irmã e tia, que passaram em concurso público, pois casou-se cedo. Não gosta de falar sobre a relação com a ex-esposa, mas diz não guardar mágoas da mãe.
“Sentia muita falta dos meus filhos quando cheguei a Brasília, então encontrei uma cachorrinha e resolvi adotá- la. Ela é tudo para mim”, diz.
O caminho trilhado por José Mario lembra a história do lavador de carros Flávio Dias, publicada ontem no JBr.. Ele passou no exame da OAB antes de concluir a graduação. Diferentemente de Flávio, José não sabe se continuará a exercer sua profissão atual ou se conseguirá conciliar as duas. Segundo o flanelinha, o dinheiro que ganha é aplicado em poupança.
Saiba mais
Zé Mário passou por cotas para ingressar no campus de Planaltina, onde prefere estudar pela proximidade de casa. Ele garante, no entanto, que sua nota foi boa o bastante para passar em Comunicação no campus Darcy Ribeiro.
Praticante de capoeira, ele é conhecido como Mestre Maranhão. Ele se diz apaixonado pela dança, especialmente devido à ligação da arte com a história negra, da qual afirma ser conhecedor e sentir grande afinidade.