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Frustração: Inimiga ou aliada?

Frustração: você sabe o que é?

Algumas pessoas acreditam que é possível evitar a frustração, já outras, como o famoso psicanalista francês Jacques Lacan, acreditam que não.
Foto: Ilustrativa

Na virada do ano é comum se fazer um balanço do que aconteceu no ano velho e planejar o que se quer para o novo ano que está chegando. E você, fez os seus planos? Será que eles vão dar certo, e vão se realizar como você planejou? Será que você terá de lidar com a famosa e temida frustração? Algumas pessoas acreditam que é possível evitar a frustração, já outras, como o famoso psicanalista francês Jacques Lacan, acreditam que não.

Imagine a seguinte cena: um bebê de alguns meses de idade e seu cuidador principal, a mãe, por exemplo, que o amamenta exclusivamente no peito. Ela precisa tomar um banho, ou realizar alguma outra atividade, e se afasta do quarto onde o bebê está dormindo. Ele acorda, e quer mamar, mas a mãe naquele momento está ausente e ele precisa esperar. O que ele faz? Chora, porque ainda não sabe esperar.

A experiência do bebê nesse momento é a seguinte: ele quer algo que o deixaria satisfeito, mas esse algo, o peito, é um outro que o tem, a mãe, no caso – que está em outro lugar. Para ele é como se a mãe estivesse de má vontade, ou seja, ela tem o que ele precisa, mas não dá porque não quer, porque é caprichosa, ou até malvada.

Talvez você ache essa cena fantasiosa, mas ela ilustra bem o tipo de experiência pela qual todos nós passamos no início da vida e que se coloca como uma espécie de matriz, de molde, para nossa maneira de agir não somente na infância, mas também como adultos. Por exemplo: você faz uma prova de concurso, mas não consegue ser aprovado. Qual a reação imediata? Culpar o professor – da escola ou do cursinho – de não ter ensinado direito, ou, ainda, responsabilizar a banca do concurso de ter elaborado mal aquela prova. Qual a similaridade entre esse exemplo e a cena do bebê? Há algo que você quer muito, ser aprovado no concurso. Porém, há alguém com poder de conceder ou de negar o que você quer – o professor ou a banca do concurso. 

De modo muito simples, a gente cresce e continua acreditando que quando não temos acesso àquilo que nos deixaria satisfeitos, felizes, ou, simplesmente, ao que precisamos, isso é culpa de alguém. Ou seja, alguém de má vontade, como aquela mãe do bebê, é quem está barrando o acesso ao objeto que traria a satisfação esperada, almejada. Se você olhar à sua volta, com certeza verá pessoas atribuindo a infelicidade na vida à companheira, ao marido ou aos pais; àquele patrão carrasco ou àquela amiga ingrata e a lista poderia continuar.

Então não há saída para a frustração?

Uma maneira de evitar a frustração é encontrar alguém que garanta que todos os nossos desejos e vontades se realizem do que jeito que queremos. Será que isso é possível? Uma outra saída é dar um passo a mais rumo à maturidade e entender que as pedras que aparecem no nosso caminho nem sempre estão lá por ação de alguém malvado.

Não dá para evitar todos os dissabores da vida, e esse é um fato que vale para mim e para todo mundo, e não há um outro todo poderoso que possa remediar isso para ninguém. Consentir com essa realidade da vida é pesado, porque significa deixar de ter sempre um outro para culpar. Por outro lado, é libertador porque pode abrir caminho para saídas mais interessantes, potentes e criativas.

Muitos pais, por exemplo, tentam dar tudo que podem para seus filhos buscando livrá-los da frustração, imaginando que frustrá-los pode gerar traumas. Esses pais acreditam que a frustração pode ser evitada. Há, também, professores que buscam tornar o ensino o mais agradável possível, para que os alunos aprendam felizes e sem frustração. Porém, pais, professores e qualquer pessoa que acredite que a frustração possa ser evitada vai se deparar, inevitavelmente, com o esgotamento e com a dura realidade de que, como diz o psicanalista brasileiro Jorge Forbes, não é para tudo nesta vida que há remédio.

Acredito que a tarefa mais importante que todos nós - pais, professores e pessoas que cuidam de pessoas – podemos fazer é ensinar, inclusive por nosso exemplo, as novas gerações a lidar de maneira produtiva com a frustração. Às vezes tudo que podemos fazer é suportar a frustração sem procurar um culpado, um bode expiatório. Outras vezes, porém, quando aparecer uma pedra no caminho podemos fazer algo criativo com ela, ao invés de tropeçar e machucar o pé. Veja, por exemplo, o caso do poeta Carlos Drummond de Andrade.

Com a pedra que apareceu em seu caminho ele fez um poema – um dos seus mais traduzidos e conhecidos internacionalmente. Se você não passou na prova do concurso, para retomar nosso exemplo, talvez seja a oportunidade de enxergar seus pontos fortes e fracos e melhorar no que puder. Enfim, podemos adotar o posicionamento do poeta ou, então, continuar como eternos bebês – adotando posição de impotentes diante dos desafios inevitáveis da vida. Dito de outro modo, podemos escolher se a frustração será nossa inimiga ou uma aliada.
 

Sobre o autor


Artigo gentilmente compartilhado ao AN pelo Dr. Francisco Neto Pereira Pinto

Dr Francisco Neto Pereira Pinto.    

  Psicanalista, professor e escritor. Autor de vários livros disponíveis na Amazon. Seu livro Saudades do meu gato Dom está disponível nas versões impressa  e digital.

  Instagram: https://www.instagram.com/francisconetopereirapinto/.