Marcos Reis

Nestes dias em que estive distante dos blogs, portais e redes sociais, aproveitei para observar, com considerável atenção e, porque não dizer, preocupação, alguns fatos que me levaram a refletir, não somente como jurista das ciências criminais, mas principalmente como ser humano, a respeito da tão analisada “sociedade brasileira”.

O que a maioria de nós tem aprendido, e em muitos casos acreditado, é que o indivíduo é influenciado e tende a ser transformado pelo meio em que vive. Nesta mesma linha de pensamento, é comum crer também que o homem, pela sua predisposição socializadora, busca alternativas para que todos se ajustem, de modo que não haja divisão entre as classes sociais, e toda aquela herança do discurso marxista que ainda insiste impregnar.

Os últimos dias tem sido a prova inconteste de que a máxima de Thomas Hobbes: “o homem é o lobo do homem” começa a fazer sentido, quando encontramos a barbárie e a violência fazendo parte do cotidiano, com tremenda naturalidade. Não encontramos, todavia, atualmente, um ambiente onde a escassez de alimentos, fármacos e um relativo conforto sejam necessidades prementes, irremediáveis e inalcançáveis, de modo a dar completo solo à tese do filosofo inglês. Mas a realidade demonstra que, de fato, o homem, na necessidade instintiva de viver em segurança e sentindo-se desprotegido pelo Estado, que é quem de direito a suprir esta falta, passa a usar seu próprio senso de justiça, a fim de que seus descendentes, comunidades e a própria raça sejam resguardadas do mal maior.

É natural, em grupos de animais, um predador, quando surge sozinho, ser afugentado pela quantidade do bando. Entre os seres humanos também prevalece essa lógica. Quem, então, são os nossos predadores? O que pensamos como ameaças a nossa espécie? O que estamos, instintivamente fazendo, para proteger as gerações futuras?

O discurso ambientalista, humanista e defensor da vida sustentável fica longe do que de fato é a compreensão de defesa e proteção da espécie. Assim, neste sentido, posso afirmar com bastante segurança que os linchamentos públicos, as reações agressivas coletivas contra criminosos e ainda a sensação de satisfação e prazer ao ver tais cenas compõem o mais natural sentimento do ser humano que é a da defesa da espécie. Cabe-nos, entrementes, um questionamento bem pontual: quem é, para nós, mais ameaçador? Aquele que vem tomar o patrimônio ou a vida, ou aquele que se omite de nos defender, quando deveria? De certo modo, ambos se igualam, criando esse constatado estado de impunidade institucionalizada.

 O homem, ainda que declaradamente humanista, sente-se no dever de proteger sua espécie, ainda que para isso seja necessário sacrificar outra vida humana. E não culpem a Sheherazade por isso, não. Pelo contrário, ela traduz, de maneira bastante explícita, o que todos nós somos e faríamos, em situações extremas. A insegurança é patente, inconteste e patológica e, em muitos casos, o próprio Estado a fomenta, sustentando um falso discurso protecionista e garantista. Não seria, ele, o pior assassino, ao não investir em educação, qualificação, saúde e outras políticas públicas eficazes e notadamente carentes de recursos?

O que a repórter falou, a contrário sensu dos “certinhos de plantão”, é a mais pura verdade. Eu particularmente, ainda completaria com a seguinte afirmação: Não somos obrigados a obedecer ao Estado quando ele, mesmo que “legal”, torne-se “imoral”.

 Perfil

Marcos Reis é advogado criminalista, historiador, escritor e professor de Direito Constitucional e Penal. Natural de Belém do Pará é casado e reside em Araguaína, onde exerce a advocacia, atuando ainda nos Estados do Pará, Goiás e no Distrito Federal. Pertence à Academia Paraense de Letras.