O ano de 2020 inicia uma década que já é marcada pela ascensão dos discursos em prol da igualdade. Isso porque, nos últimos anos, movimentos como o feminismo, a luta pela equidade racial e os discursos de gênero, finalmente, conquistaram atenção dos meios de comunicação convencional.
Contudo, em meio a essas narrativas, uma ainda recebe pouca atenção: o combate à gordofobia. O preconceito contra pessoas gordas, realidade presente em todos os países ocidentais e ocidentalizados, tem efeitos tanto mais subjetivos, como o impacto negativo na saúde mental, quanto mais objetivos, tais como a dificuldade de encontrar peças para todos os corpos.
Nesse sentido, é importante endereçar a responsabilidade dos veículos e das indústrias formadores de opinião. No caso da gordofobia, então, fica evidente o papel da moda nessa luta.
Poder da imagem
Além de produzir peças de roupas, a indústria da moda é uma das maiores produtoras contemporâneas de imagem. Desfiles, catálogos, ensaios, banners e outdoors são apenas alguns dos exemplos pelos quais esse mercado utiliza as imagens como ferramenta de difusão de suas criações.
Vale dizer que, mais do que nunca, em especial com a popularização da internet e a forte presença de marcas no ambiente digital, imagens ajudam a normalizar padrões estéticos e de comportamento.
Dessa forma, a saturação de imagens de pessoas magras pela indústria da moda, seguida pelo culto a esses corpos, teve forte influência na construção do preconceito em relação aos gordos na sociedade. Em linhas breves, a raiz do problema é a falta de representatividade, vez que essas imagens estão longe de representar os corpos reais das populações.
Para se ter uma noção, informações da Organização Mundial de Saúde (OMS) alegam que, no Brasil, mais da metade da população é considerada gorda. Mesmo assim, as últimas edições da São Paulo Fashion Week, principal semana de moda do país, não tiveram sequer uma modelo com este biotipo.
Num processo que se retroalimenta, a falta de imagens de pessoas gordas na indústria da moda reflete a pouca oferta de peças em tamanhos grandes. Assim, o papel da moda no combate à gordofobia está presente não somente no poder imagético de suas produções, mas, também, no preconceito estrutural refletido pela produção em baixa, e quase inexistente, escala de roupas para pessoas gordas.
Investimento certeiro
Alinhado aos discursos de combate à gordofobia, está o mercado de moda plus size — um campo com bastante potencial para ser explorado. Os motivos são óbvios: se a maior parte da população não é magra, é evidente que existe todo um território de clientes a serem atendidos.
Contudo, mesmo sendo esses dados conhecidos, a indústria da moda investe pouco na produção de peças com tamanhos grandes. Isso reflete, mais uma vez, o quanto a gordofobia é algo que participa estruturalmente da organização desse mercado.
Nesse sentido, marcas têm surgido e se destacado com produção especializada exclusivamente na moda plus size. Como esperado, esse setor tem tido bons resultados. Segundo dados da Associação Brasileira de Plus Size (ABPS), a produção e a venda de peças a partir do número 46 movimentou, só em 2018, no Brasil, mais de 7 bilhões de reais.
Padrão de beleza
A ideia de padrão de beleza associada a uma única época é um discurso muito utilizado para a justificativa de preconceitos, em especial, no que diz respeito à gordofobia. Nessa teoria, o estigma presente na indústria da moda aparece apenas como um sintoma de uma caraterística histórico-cultural.
As demandas contemporâneas, porém, nos apresentam a necessidade de entender, respeitar e aceitar todos os corpos, independente da época e do contexto cultural. A moda, contudo, diz muito sobre o seu tempo. É um elemento de manifestação criativa que, por um lado, responde às necessidades e aos costumes de uma época, mas que, por outro, também molda e mantém padrões.
A moda contemporânea será aquela que entender isso por completo. Ela assumirá, dessa maneira, tanto o seu papel de responder às necessidades, quanto o de responsabilidade histórica de sua potência.