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Será que os homens encolheram?

O artigo propõe uma reflexão sobre os novos contornos das relações afetivas entre homens e mulheres na contemporaneidade — tema que ganhou destaque após declaração da apresentadora Luciana Gimenez no programa Provoca, de Marcelo Tas, no último dia 17 de junho.

Escritor Francisco Neto Pereira Pinto
Foto: Raillander
A apresentadora Luciana Gimenez, em entrevista concedida ao jornalista Marcelo Tas, no Programa Provoca, em 17 de junho de 2026, fez uma declaração que expressa um sentimento recorrente entre muitas mulheres: os homens ficaram pequeninhos. Segundo ela, os homens atualmente evitam ser diretos, seja para iniciar uma conversa ou até mesmo para propor um relacionamento amoroso.
 
Já faz algum tempo que o público feminino vem notando esse comportamento cada vez mais frequente: o receio masculino em tomar a iniciativa. Há quem diga, inclusive, que já não se faz mais homens como antigamente. E como junho é o mês dos namorados, talvez valham duas ou três reflexões sobre o amor na contemporaneidade.
 

Não se faz mais homens como antigamente

 
A psicanalista Maria Rita Kehl observa que essa queixa sobre o comportamento dos homens é muito comum entre as mulheres na atualidade. E isso não se restringe apenas ao ambiente clínico: ouvimos esse tipo de comentário frequentemente nas rodas de conversa. Isso chama a atenção porque, embora tenhamos avançado significativamente na igualdade entre homens e mulheres — tanto do ponto de vista formal, nas leis, quanto substantivo, na vivência concreta — quando o assunto são os vínculos afetivos e amorosos, a expectativa de muitas mulheres ainda é que o homem tome a iniciativa.
 
Como aponta o sociólogo francês Gilles Lipovetsky, pesquisas mostram que as mulheres preferem ser conquistadas e que, para consentirem com as relações sexuais, geralmente esperam sentir que são desejadas e amadas. Assim, quando dizem que não se faz mais homens como antigamente, ou que os homens estão borôcoxô, para usar expressão de Luciana Gimenez, talvez não seja exatamente saudade daquele modelo ultrapassado e autoritário de masculinidade. Até porque, para esse tipo de homem, geralmente a mulher pouco ou nada importava frente às suas vontades e necessidades.
 

O que significa ser homem e mulher hoje

 
Desde a década de 1950, especialmente a partir dos anos 1990, os modos de viver e se relacionar mudaram profundamente no Ocidente. Já no século XXI, como nos ensina o psiquiatra e psicanalista Jorge Forbes, não se ama, não se trabalha, não se nasce e não se morre como antigamente. O planeta permanece o mesmo, mas a forma de habitá-lo mudou completamente. Isso significa que as formas de se relacionar também não são mais como antes.
 
Há quarenta anos, um homem sabia exatamente o que se esperava dele. Aprendia com os mais velhos o que significava ser homem, qual comportamento era socialmente aceito e esperado — como marido, pai, trabalhador. O mesmo valia para as mulheres. Havia papéis definidos, socialmente reconhecidos e previsíveis. O homem podia seguir as expectativas ou rejeitá-las, mas ao menos tinha referências sólidas. Hoje, como diria o sociólogo Zygmunt Bauman, essas referências se tornaram líquidas: ganharam flexibilidade e liberdade, sim — mas também trouxeram inseguranças e angústias.
 

Novos homens para os novos tempos

 
De acordo com Maria Rita Kehl, homens e mulheres estão hoje em pleno processo de redefinição de seus papéis sociais. E ninguém sabe exatamente como habitar esse novo mundo tão fluido e incerto. Ambos os gêneros estão se reinventando. Por isso, ninguém sabe exatamente o que esperar do outro — ou como agradar o outro.
 
Atualmente, existem muitas formas possíveis de ser homem. A sociedade passou a permitir, e até valorizar, perfis masculinos diversos: vaidosos, mais tradicionais, os que bancam a conta e os que dividem, os que mesclam estilos distintos. Com tamanha liberdade, porém, surgem também dúvidas. O homem contemporâneo enfrenta o peso de suas escolhas, ciente de que não há garantias seguras. Hoje, a sociedade oferece liberdade, mas cobra responsabilidade em troca da segurança de papéis estáveis que existia antes.
 
Diante dessa realidade, é fundamental que pais, educadores e demais formadores de opinião reconheçam que estamos em outro tempo — e que, de fato, nada mais é como era antes. Diante do novo, precisamos criar e recriar formas de viver e de nos relacionar. Não adianta querer resgatar o modelo masculino do passado. Nem tudo era virtude naquela figura. Se fosse, o patriarcado não estaria sendo tão questionado e combatido até hoje. Parece mais produtivo apostarmos em caminhos que dialoguem com as exigências do presente. Talvez o melhor rumo seja encorajar os homens a serem mais ousados — não com a arrogância do passado, mas com mais compromisso com o seu próprio desejo e o respeito à vontade da mulher, ao seu direito de decidir se aceita ou não a investida.
 
Como afirmou o psicanalista francês Jacques Lacan, o que define um homem é sua coragem de ousar uma mulher. E Jorge Forbes nos lembra: o desejo existe é para ser provocado. Talvez essa seja a verdadeira provocação contida nas palavras de Luciana Gimenez neste mês dos namorados: que os homens tenham a ousadia de provocar o desejo de uma mulher — e sustentá-lo — em vez de apenas recuar, como se dizia antigamente, de fugir da raia.
 

Sobre o autor

 Francisco Neto Pereira Pinto* é professor universitário, escritor e psicanalista. Doutor em Ensino de Língua e Literatura. É autor de À beira do Araguaia. Instagram: @francisconetopereirapinto