Cleber Toledo/Porta CT

O CT teve acesso à integra do ofício que o Sindicato dos Médicos do Tocantins (Simed-TO) enviou ao procurador-chefe da Procuradoria da República no Estado, João Gabriel Morais de Queiroz, no dia 28 de abril, pedindo que ele analise a terceirização ocorrida no serviço de oncologia de Araguaína. No documento, o Simed afirma que a Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) “pintou” um cenário para “motivar e legitimar a contratação de empresa (…) sem licitação”. Para o sindicato, esse cenário não corresponde “à situação fática real, bem como não atende aos princípios gerais da administração pública, nomeadamente, legalidade, eficiência, razoabilidade/proporcionalidade”.

Conforme o CT apurou, apesar da terceirização, o serviço de radioterapia continua interrompido, desde outubro, e agora também está suspensa a braquiterapita. Enquanto isso, mais de 200 novos pacientes de câncer aguardam na fila para iniciar o tratamento, fora os que o Estado está tendo que enviar para fazer radioterapia em Goiânia, por determinação judicial, após ação movida pela Defensoria Pública do Estado.

Aparelho de radioterapia quebrado teria sido usado para justificar a terceirização do serviço de oncologia  O Simed defendeu no ofício ao Ministério Público Federal (MPF) que o pano de fundo para motivar a terceirização foi um defeito numa peça do equipamento de radioterapia de Araguaína. Para o sindicato, "havia diversas soluções possíveis para a resolução do problema que não a terceirização de todo o serviço de oncologia em decorrência apenas do defeito de uma das peças do aparelho de radioterapia".

Segundo a entidade, com a compra da peça para substituição, que custaria pouco mais de R$ 800 mil, em 30 dias o equipamento de radioterapia já estaria em funcionamento. Porém, na terceirização, a empresa responsável pelo serviço, o Instituto Oncológico, pediu 60 dias para retomar o atendimento, mas isso até agora não ocorreu.

Outro problema apontado pelo Simed é que o serviço de oncologia rendeu ao Estado, no atendimento a particulares, R$ 6,5 milhões em 2014. “Com a terceirização, [esses recursos] não entrarão mais nos cofres estaduais, caracterizando, sem dúvidas, renúncia de receita”, afirma o sindicato no ofício. O Instituto Oncológico está sendo contratado pelo Estado por cerca de R$ 5,5 milhões ao ano.

Mais um problema que está ocorrendo é que teria havido uma desmobilização da equipe altamente especializada, responsável pelo serviço de radiologia, que há dez anos presta o serviço. O Estado investiu pesadamente da formação desses especialistas, inclusive em doutorado nos Estados Unidos, e agora os servidores estariam prestando serviços em áreas sem relação direta com aquele para a qual foram preparados.

Surpreendidos

O Simed conta ao procurador-chefe que a entidade e os médicos não foram ouvidos sobre a terceirização, e que acabaram surpreendidos quando a mídia divulgou o processo, dizendo que "o Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública de Palmas teria sido informado de que o equipamento não tinha conserto e que a única solução seria a terceirização do serviço, não só da radioterapia, mas de todo o serviço de oncologia, e que a empresa contratada (Instituto Oncológico) teria 60 dias para instalar uma nova máquina”.

Para o Simed, o Sesau “omitiu propositadamente daquele juízo a informação de que havia a possibilidade de compra de uma peça nova para o equipamento, bem como o conserto desta”. “A urgência que legitimaria a dispensa licitatória e a contratação da empresa para gestão de todo o serviço de oncologia não existia, uma vez que serviço vinha sendo prestado pelo Cebrom [Centro Brasileiro de Radioterapia, Oncologia e Mastologia] e Goiânia (GO) [para os pacientes que tiveram o tratamento interrompido em outubro], e, mesmo com o acordo firmado para a contratação do Instituto Oncológico, ainda iriam ser prestados os serviços até a operacionalização do serviço em Araguaína, que se daria em 60 dias”, explica o sindicato.

Em abril, a Sesau divulgou que o Estado vinha tenho um custo mensal de R$ 870,2 mil com os pacientes enviados a Goiânia. Eram R$ 377,7 mil pagos ao Cebrom; R$ 148,5 mil pagos pelo transporte, alimentação e hotelaria (Casa de Apoio IASSGO) e R$ 344 mil para o Serviço de Internação de Suporte Terapêutico – Santa Casa de Goiânia.

O instituto

Há também um problema com a instituição contratada para administrar o serviço: o Instituto Oncológico, com sede em Juiz de Fora (MG), que, segundo o ofício do Simed, não apresentou atestados de de capacidade técnica e idoneidade. “Ao contrário, pode-se verificar no SNA-Denasus [Sistema Nacional de Auditoria - Departamento Nacional de Auditoria do SUS] (…) a ocorrência de irregularidades em apuração, o que merece maior investigação nesse sentido”, alerta o sindicato.

Entre as irregularidades do instituto apontadas pelo SNA-Denasus, o pagamento pelo SUS de tratamento mesmo após a morte do paciente; valores recebidos por tratamentos sem a devida comprovação de que foram realizados; e ausência de equipe completa de médicos para acompanhar os pacientes com câncer. O Denasus exigiu a devolução de R$ 13.846,54 mais juros e correção monetária.

Bunker diferente

Outra possibilidade para resolver a questão da radioterapia seria colocar em funcionamento o novo equipamento adquirido em 2012 pelo governo do Estado, por um convênio com o governo federal, ao custo de R$ 2,8 milhões. Para funcionar, esse equipamento precisaria apenas de uma nova sala para funcionamento, que recebe o nome de bunker, mas ele continua encaixotado nos porões do Hospital Regional de Araguaína (HRA). Isso porque até agora o Estado não conseguiu adequar às rígidas normas de segurança a sala da unidade para poder atender os pacientes.

Segurança nuclear

O Simed ainda informa o procurador-chefe que o equipamento de radioterapia, tido como sem conserto, foi desmontado “sem as devidas cautelas” estabelecidas pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), o que gera risco até de acidente nuclear. O sindicato lembrou o caso do Césio 137, em Goiás, “originado pelo mau acondicionamento dos equipamentos”.

A Assessoria de Comunicação do MPF-TO informou que o ofício foi encaminhado à Procuradoria em Araguaína, que está tomando medidas preliminares para analisar o caso.

O CT entrou em contato com a Sesau, mas, como o secretário Samuel Bonilha está viajando, só poderá se manifestar nesta quarta-feira, 17.