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Foto: Google Imagens

O Coronavírus, ou Covid 19, chega ao Brasil neste mês de março e põe em alerta todos os segmentos da nossa sociedade. Assim como no mundo todo, as recomendações iniciais foram de suspensão de aglomeração de pessoas, afetando, entre outros setores, o funcionamento de instituições educacionais de ensino presencial. Rapidamente, mas não sem se amparar nas vastíssimas e complexas pesquisas sobre ensino a distância, escolas e universidades têm tomado medidas para viabilizar a formação de seu alunado, fazendo uso de plataformas online de aprendizagem, redes sociais, orientação a distância por meio das tecnologias de informação e comunicação.

Algumas universidades suspenderam por tempo indeterminado suas aulas, considerando que os/as estudantes podem não ter acesso a computadores com internet, enquanto outras passam a utilizar os recursos digitais para assistir os/as estudantes, com orientações de leituras e atividades, durante esse período de incertezas. Há, entretanto, nesse cenário caótico, quando são construídas alternativas visando uma certa continuidade, um fator de gênero que muito diz sobre as possibilidades de aulas/orientações a distância: as estudantes que são mães de crianças e adolescentes, em período de quarentena, podem estar ainda mais sobrecarregadas com serviços domésticos e de cuidados.

No contexto da educação superior, a maioria do corpo discente é composta por mulheres, sendo estas também em sua maioria adultas que, não raro, são mães de crianças e/ou adolescentes. Para empenho na formação profissional, essas estudantes comumente têm jornadas triplas, quadruplas... de trabalho, pois precisam dar conta de um serviço remunerado, do trabalho doméstico, do cuidado com as crianças, dos estudos (às vezes, somados a um estágio). Além disso, contam, às vezes, com a colaboração dos avós para cuidar das crianças em alguns momentos do dia, com a escola durante o turno de aula dos filhos, e/ou com outros membros da família, entre outras pessoas, o que implica quase sempre um intenso fluxo pelo trânsito da cidade, uma constante interação social. O coronavírus chegou e, entre muitas outras coisas, desestruturou tudo isso. Se as estudantes também estão em quarentena, sem ir para a universidade e sem fazer um serviço remunerado fora do lar, é necessário considerar que dentro do ambiente doméstico elas estão sobrecarregadas com o serviço de cuidado e com o trabalho de limpeza, preparo de alimentos, organização da casa, que são exponencialmente aumentados com todos os membros de uma família confinados no espaço do lar.

Ainda que contem com recursos digitais para realizar atividades a distância, como essas estudantes vão conseguir se dedicar ao estudo, se estão sobrecarregadas com tantas tarefas, sendo que são delas demandadas, sem intervalo, atenção das crianças e adultos que a cercam? Normalmente, são as mulheres adultas, na posição de “matriarcas”, que também são responsáveis por gerenciar o funcionamento de toda a casa, ainda que não necessariamente realizem todas as atividades. Durante a minha pesquisa de doutoramento, em fase de conclusão, feita com estudantes-mães-trabalhadoras de uma universidade pública do Tocantins, ouvi dessas mulheres que a dedicação aos estudos era feita dentro do próprio espaço da universidade, no momento em que as crianças estavam na escola ou na hora em que todos os membros da família iam dormir. Como podem as estudantes-mães-trabalhadoras manter-se focadas em sua formação profissional, que exige intensa atividade intelectual, tempo reservado para leitura atenta e criteriosa, organização cuidadosa de uma rotina com as múltiplas ocupações, quando tudo o que lhes garantia condições mínimas para o estudo foi tirado de súbito?

O serviço de produção foi em parte interrompido, mas o serviço de reprodução social, normalmente feito de forma gratuita, sobretudo pelas mulheres mais pobres, é ainda mais necessário e tem sido intensificado no momento atual. O imperativo social, sanitário e moral é de que as famílias permaneçam em isolamento social e realizem seus próprios serviços de cuidado. Numa sociedade de intensa e desigual divisão sexual do trabalho, quem cuida, majoritariamente, são as mulheres.

Além das estudantes, as professoras/pesquisadoras também sofrem o impacto da quarentena. Para a classe de professores/as universitários/as, seja qual for a área de pesquisa, o trabalho está ainda mais intensificado, no que diz respeito às demandas de ensino, pesquisa e, também, extensão. As professoras, além dessa sobrecarga ainda mais intensa, também têm relatado a dificuldade de conciliar o cuidado com seus filhos crianças, o serviço doméstico e as demandas de seu trabalho profissional.

Ao ser organizado o ensino a distância nesse momento turbulento, foram consideradas as mulheres da educação de nível superior, sejam elas estudantes ou professoras/pesquisadoras, que também são mães e são (ou estão) responsáveis pelo serviço doméstico?

De fato, as universidades têm feito intenso esforço para encontrar caminhos diante de tamanha ameaça ao funcionamento do tecido social. A todo momento, são tomadas iniciativas, repensadas, reavaliadas, considerando a complexidade que envolve a atuação das Instituições de Ensino Superior e a formação profissional. No sentido de colaborar, colocamos aqui mais questões que precisam ser levadas em conta nesses rearranjos articulados. As estudantes-mães-trabalhadoras (remuneradas e/ou não remuneradas) não podem ser excluídas ou ainda mais penalizadas com as novas medidas de ensino a distância. Deixo aqui mais uma pergunta: Como vamos garantir que as novas políticas (temporárias) de ensino incluam essa significativa parcela de estudantes?

Sobre a autora

Naiane Vieira dos  Reis: Estudante de doutorado em Letras, da Universidade Federal do Tocantins, campus de Araguaína, com pesquisa feita sobre história de vida de estudantes-mães-trabalhadoras no contexto do ensino superior.