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Literatura Tocantinense: por que e para que? Por Rubens Martins

Artigo de Rubens Martins da Silva discute criticamente o papel e a relevância da produção literária no Tocantins

Rubens Martins da Silva reflete sobre o valor pedagógico e crítico da literatura produzida no Tocantins.
Foto: Divulgação/Redes sociais

Criticamente e de forma pedagógica, este artigo discute alguns aspectos a respeito da nomeação dada às obras literárias publicadas por escritores que residem ou residiram (há escritores que deixaram um grande legado literário, a começar por Fidêncio Bogo e Francisco Concesso) em algum dos 139 municípios do estado do Tocantins.

De modo geral, a literatura que circula em diferentes espaços acadêmicos recebeu nomenclaturas que jamais serão capazes de explicar o porquê de sua essência. Há, portanto, a literatura denominada mundial (Dom Quixote, de Miguel de Cervantes), internacional (Ulysses, de James Joyce), inglesa (Romeu e Julieta, de William Shakespeare), francesa (Madame Bovary, de Gustave Flaubert), russa (Guerra e Paz, de Liev Tolstói), mas existe também a literatura brasileira (Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis), a literatura regional, sendo esta última compreendida como literatura paulista, goiana, paraense e tocantinense.

As obras literárias publicadas por escritores que vivem ou viveram no estado do Tocantins recebem diferentes nomeações: literatura produzida no Tocantins, manifestações literárias no Tocantins e literatura tocantinense. Nesse contexto, as obras O quati e outros contos, de Fidêncio Bogo, e As Tocantinas, de Célio Pedreira, são de leitura indispensável em razão do espaço que ocuparam, por exemplo, em exames vestibulares.

O rótulo literário, de modo algum, jamais será o enfoque da publicação de uma determinada obra, pois, segundo Antoine Compagnon, é fundamental, antes de tudo, identificar qual valor essa produção quer transmitir aos cidadãos, principalmente aqueles que são leitores de mão cheia. Convém, portanto, questionar se ela é útil à vida em todos os seus aspectos e ao lugar que deve ocupar na escola, desde o nível básico até o superior. Sobretudo, e segundo aponta Antonio Candido, interessa também observar a contribuição que a obra literária dará à formação humana em seu aspecto mais profundo da palavra.

O francês Antoine Compagnon produziu um dos mais importantes textos — Literatura para quê? — a respeito do papel que a literatura ocupa em diferentes espaços, sendo o da escola o mais importante deles. Nesse enfoque, o título deste artigo assemelha-se, ao mesmo tempo em que parafraseia, a um trabalho que reflete o peso literário para a formação de leitores.

O recorte ao termo “literatura tocantinense” dá sentido ao grande esforço dos escritores do estado do Tocantins — considere-se para essa caracterização aqueles que publicaram alguma obra literária durante sua vivência no Estado mais quente do território nacional. Nesse sentido, a literatura tocantinense tem alcançado destaque em razão da arte literária produzida por nomes (apenas para citar alguns) como Francisco Concesso, Isabel Dias Neves, Orestes Branquinho, Janete Santos, Luiza Helena, jjLeandro, Edson Gallo, Alexandre Brito, Francisco Neto, Osmar Casagrande, Célio Pedreira, Ronaldo Teixeira, Rhoselly Xavier, Rosely Camargo, Gilson Cavalcante, Súsie Fernandes, Luciene Ribeiro, Alice Nardes, André Goveia, Arézio Soto, Carlos de Bayma, Celine Azevedo, Cleber Toledo, Fabiana Oliveira, Fortes Sobrinho, Gislene Camargos, Janaína Senem, Jèff Jácom’e, Leomar Alves, Maria da Ajuda, Orion Milhomem, Pedro Tierra, Pedro Albeirice, Raymundo Aires, Symone Elias, Tamires Iwanczuk, Vasni de Almeida, Tião Pinheiro, Zacarias Martins, Rozilda Euzébio, Martha Vieira, Lia Testa, Jonas Mendonça, Deise Raquel e Creuza Cruz.

A lista na qual consta Creuza Cruz como a última menção representa apenas o início do registro de nomes que, de certo modo, têm contribuído para a difusão da literatura tocantinense (acresce-se, quase que diariamente, novos nomes a esse rol literário).

Na vertente do que propôs Compagnon, a literatura tocantinense alcança resposta crítica e reflexiva a respeito de seu “para quê” mediante a percepção do potencial que ela pode oferecer ao ensino, à pesquisa e ao estudo literário, desde a educação básica à superior no estado do Tocantins.

No enfoque de uma breve discussão sobre os apontamentos que norteiam a literatura tocantinense sob os termos “por que e para quê”, as primeiras notas de viés crítico-literário dizem respeito à obra Cyntia. Publicada em 1989 por Creuza Cruz, do município de Rio dos Bois, a obra corresponde, segundo o professor Odi Alexander e a professora Luciene Ribeiro (autores do capítulo “Desvendando Cyntia”, publicado na obra Caminhos históricos, sociais e pedagógicos da literatura tocantinense, pela Editora Unitins), a um dos primeiros textos literários publicados no Tocantins.

Classificada como romance, Cyntia tem seu ponto alto quando a narrativa aponta para a aprovação da própria autora no cargo de professora. A obra dá ênfase aos desafios que a personagem enfrentou desde o nascimento até os momentos de enfrentamento de obstáculos resultantes da perda de familiares e de decepções amorosas. Tal qual se apresenta, a obra corresponde a um convite à leitura de situações que marcam a realidade social, desdobrando-se entre a realização pessoal e o contentamento com as belezas naturais do estado do Tocantins.

A obra O quati e outros contos, de Fidêncio Bogo, compõe-se de contos que oferecem ao leitor, ao estudante e ao pesquisador diversos questionamentos a respeito da fauna e da flora, da proteção ao meio ambiente e do cuidado com os espaços rurais, semelhantes aos urbanos. É também uma obra que provoca a necessidade de estudos relacionados à língua portuguesa, principalmente quando esta atinge discussões atreladas a fatores sociais conhecidos, como o preconceito linguístico.

Para professores, estudantes e cidadãos com interesse na causa animal, especialmente a causa pet, as obras O gato Dom e Saudades do meu gato Dom, do escritor Francisco Neto, são indicações de destaque.

A preservação da fauna é um dos temas mais acentuados no ensino fundamental. Nesse sentido, a obra Lara: a arara-azul do cerrado tocantinense, de Luciene Ribeiro, representa um convite à proteção dos animais silvestres e aos cuidados com as queimadas — algo que marca, de modo sangrento, o solo tocantinense.

O investimento energético representa avanços financeiros, mas, conforme discutido em O que vi (e registrei) no caminho das águas, de Súsie Fernandes, os lagos resultantes desses empreendimentos podem provocar desajustes na vida laboral de cidadãos que sobreviviam da força do turismo.

O incentivo à leitura literária ao público infantojuvenil é o carro-chefe da produção de Rozilda Euzébio. Em Leituras fantásticas, o universo do gênero conto é explorado para a formação do leitor na fase intermediária do ensino fundamental.

A literatura tocantinense, narrada a partir dos instigantes contos de jjLeandro, conduz o leitor — principalmente aquele que se dedica à pesquisa em níveis mais avançados — a um mergulho nas obras O velório de mais de 20 anos e A morte no bordado.

O reconhecimento do lugar de voz, a valorização do respeito e o enfrentamento do racismo são temáticas pedagógicas exploradas pelos escritores Leomar Alves e Sueli Marques na obra Vidas além do racismo. Nela, os autores levantam provocações necessárias à realidade social e aos aspectos mais caros da vida em sociedade, pois, segundo Cândido, a literatura é fundamental por sua grande contribuição na humanização dos cidadãos.

A política, que ao longo do tempo e dos “modernos ajustes” perdeu o sentido de sua essência, é o tema da obra A noiva e outros contos políticos, de Cleber Toledo. Composta por vinte textos, o quarto conto — que dá título à obra — representa uma criação estética marcada pela relação com o termo “noivado”, denotando o desejo de um casamento com a política. A “grande festa” em A noiva representa a degradação do mundo político no campo da traição e das vantagens a qualquer custo. Às vésperas de um pleito eleitoral, a obra é leitura indispensável, pois “a ficção imita a vida” — ou o contrário.

Isenta de esgotamento crítico ou cristalização estética, a literatura tocantinense alcança sua justificativa sob o enfoque de uma produção em constante crescimento, viabilizada pelo esforço individual dos escritores e pelo apoio do Ministério da Cultura, por meio de programas de incentivo à produção literária.

Pedagogicamente, o “para quê” da literatura tocantinense pode ser percebido por sua contribuição à realização de estudos escolares e à execução de pesquisas desde a graduação até a pós-graduação.


Rubens Martins da Silva
É professor universitário, coordenador do grupo de pesquisa GEPLIT/CNPq/Unitins, pesquisador da literatura tocantinense e administrador do site www.literaturatocantinense.com.br.