Iltami Rodrigues
Parte da historiografia tocantinense considera que a criação deste Estado em 1988, foi resultado do processo de construção política e histórica de determinadas elites agrárias instaladas no norte de Goiás que desejavam ter acesso a um poder de Estado, de difícil alcance, por vias eleitorais, no contexto político goiano. Conquistada a separação, essas elites elegeram como prioridade a manutenção de seu poder e a ampliação de certas atividades econômicas nesta região, em desfavor de medidas que atendam efetivamente as necessidades sociais da população tocantinense, apresentadas no processo de separação como objeto principal do discurso emancipacionista.
A manobra política
É possível dizer, por essa interpretação, que a experiência política tocantinense até aqui tem se resumido no domínio sucessivo de determinadas forças políticas de feições familiares e oligárquicas. Essas forças, num curto momento de nossa breve História (entre 1995 e 2002), encontrou uma unidade artificial na liderança personalista de Siqueira Campos. Após a ascensão de Marcelo Miranda em 2003, um ex-aliado oriundo de outra família oligárquica, teve sua liderança e poder questionado vindo a ser derrotado por seu antigo pupilo nas eleições de 2006. Permaneceu no ostracismo por quase dez anos, só retornando ao poder executivo em 2011 e nele tenta se manter agora a qualquer custo. A manobra política palaciana do momento é tão somente mais um capítulo da disputa oligárquica em curso no Tocantins, que pouco ou nada tem a ver com as expectativas populares de melhores condições de vida e trabalho. Manobra parecida foi feita no final da década de 90, por esse mesmo grupo no poder, com os mesmos fins. São acordos feitos por cima, sem qualquer anuência dos eleitores e totalmente desligado dos seus interesses. São medidas previstas em lei (salvo a renúncia de um vice-governador anterior à renúncia do próprio titular), portanto legais, muito embora de alta imoralidade política porque não ocorre tendo em vista a continuidade de um projeto, programa ou plano de desenvolvimento que visa atender o conjunto da sociedade tocantinense, mas tão somente servir ao desejo de uma perpetuação de poder familiar.
Enfraquecimento do Siquerismo
Quando grupos oligárquicos entram em rota de colisão o resultado, quase sempre, é o enfraquecimento de ambas – o Siqueirismo, no momento, recorre a artifícios politicamente imorais para não sucumbir enquanto a oposição representada por Marcelo Miranda, há tempos, não consegue unidade política suficiente para se constituir numa força realmente capaz de ameaçar o Palácio Araguaia. Isso ficou muito claro neste mandato de Campos. Foi eleito com margem mínima de votos sobre um candidato sem experiência em eleições para o executivo. A dificuldade em formar maioria no legislativo e a falta de apoio de parte da representação federal do Estado em Brasília em nada lembrou os tempos áureos em que Siqueira tinha o domínio quase total da representação federal, da assembleia e das prefeituras. Por esses e outros motivos fez um governo ruim, do ponto de vista dos interesses populares, marcado por escândalos financeiros, inoperância e descaso em setores importantes como saúde e educação.
O herdeiro político
O retorno de Campos ao governo, descontado o interesse natural de poder, tinha um objetivo político claro: criar as condições para a ascensão de Eduardo Siqueira Campos, considerado seu herdeiro político. Para fortalecê-lo entregou-lhe pastas importantes da administração com poder para decidir administrativamente e articular os interesses do governo junto ao poder legislativo e prefeituras. Imaginou que poderia chegar ao ano eleitoral de 2014 com o filho forte o suficiente para ser o candidato palaciano sem contestações. Nada saiu como planejado. O nome de Eduardo Siqueira como de resto também o seu não empolgam o eleitorado e tem, no momento, pouca aceitação popular. É neste vazio que entra a figura de um ex-adversário: Sandoval Cardoso. Eleito pelo PMDB, Cardoso logo se aproximou do governo Siqueira e, em pouco tempo, adquiriu a confiança do Palácio ao se filiar no PSD, partido da base de apoio do governo. Foi adquirindo maior visibilidade e poder à medida que se aproximava de Eduardo, o homem forte do governo. Hoje no SDD, outro partido da base palaciana, e tendo feito um “test drive” de quase um mês à frente do governo estadual, Cardoso chega ao posto de governador com a confiança de Siqueira e, especula-se, com condições de se tornar o candidato palaciano nas eleições diretas de outubro. Com ampla maioria na assembleia e com a força da máquina pública não terá grande dificuldade em se eleger governador indiretamente. Talvez, por isso mesmo, tenha deixado para Cardoso a tarefa de negociar com os movimentos grevistas em ação no Estado até para que ele mesmo colha os benefícios políticos ao fim das tratativas, evitando que a oposição politize essas questões e desgaste o governo ainda mais.
Sandoval como alternativa
O fato de Siqueira não ter construído um nome forte o suficiente para a sua sucessão em âmbito familiar, misturado com o peso da idade e um governo mal avaliado permitiu a valorização política de Sandoval e a sua construção como alternativa. Mas tudo isso foi feito a contragosto do velho caudilho. Não era esse o plano. Na realidade, teve que se render ao pragmatismo político de entregar a um terceiro a incumbência de garantir sobrevida ao clã. A manobra realizada pelo Palácio abriu diversas possibilidades de candidatura para o pai e para o filho. Elas certamente serão utilizadas mediante as circunstâncias do momento. Mas os sinais até aqui parecem apontar para o nome de Cardoso como provável candidato do Siqueirismo em outubro (apesar da imprensa, da oposição e de boa parte da população apostar no nome de Eduardo).
“O viagra”
Sandoval tem credenciais que o deixam em boa situação: é jovem, ligado ao agronegócio (neutralizando Kátia Abreu nesse espaço), dificilmente pode ser atacado em sua reputação e, principalmente, não carrega o ônus dos maus resultados da administração Siqueirista até aqui. O Palácio, inclusive, gosta do fato de que sua família não tem tradição política (era o caso de Marcelo e seu pai Brito Miranda). Por essa leitura, dificilmente Cardoso promoveria um rompimento ao estilo do que foi conduzido pelos Miranda em 2005. Para o Araguaia, ele é o homem certo, no lugar certo, na hora certa. A jogada é arriscada. O governo colherá enorme insatisfação nos próximos dias e a oposição, certamente, não assistirá inerte a todas essas manobras. Para Cardoso esta é uma excelente oportunidade de ocupar o cargo mais importante do Estado de forma duradoura. A dúvida é se ele permitirá que o Siqueirismo sobreviva por meio de sua pessoa, usando-o como um “viagra” a turbinar as chances eleitorais do Siqueirão e do Siqueirinha – o governador chegou a dizer em mensagem de renúncia lida na assembleia que sai para se “energizar” com vistas a embates futuros – ou recusará, em algum momento, o papel de fantoche, indo em busca da construção sua própria história no Tocantins.
Perfil
Iltami Rodrigues da Silva é Historiador – Professor no Colégio Adolfo Bezerra de Menezes em Araguaína e no Colégio Albert Einstein de Colinas do Tocantins
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