Política

Tocantins é recordista de desembargadores investigados por venda de sentença

Reportagem do Fantástico revelou esquema de venda da sentença de desembargadores. O último alvo do CNJ é o desembargador Ronaldo Eurípedes, afastado no final de abril.

Dos 20 desembargadores afastados pelo CNJ por suspeita de venda de sentença, 5 são do TJTO.
Foto: Reprodução/Fantástico

Reportagem do Fantástico deste domingo (7), revelou vergonhoso recorde para a Justiça tocantinense. Em 15 anos de criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 20 desembargadores foram afastados de suas funções por venda de sentença. O Tocantins aparece como recordista, por ter cinco investigados por esse crime.

Isso implica que um de cada quatro desembargadores investigados por receber dinheiro para beneficiar acusados, até de assassinato, trabalhou no Tribunal de Justiça do Tocantins.  

A reportagem de Ana Paula Rehbein mostrou o caso do mais recente desembargador tocantinense alvo do CNJ e a situação de algumas vítimas impactadas por esse crime.

O desembargador Ronaldo Eurípedes de Souza, ex-presidente do Tribunal de Justiça do Tocantins, foi afastado do TJTO em 27 de abril. Ele ficará um ano sem trabalhar, mas continuará recebendo o salário.

Eurípedes é investigado por venda de decisões judiciais e por movimentações financeiras sem suporte nas suas atividades profissionais. O Fantástico revelou movimentações milionárias nas contas de Eurípedes, desde que ele entrou no TJTO, em 2012.

Uma das decisões de Eurípedes que está sendo apurada, seria a suposta venda de um habeas corpus para o empresário Carlos Roberto Pereira, em 2013. Pereira é acusado de ser o mandante do assassinato de quatro pessoas da mesma família em Araguaína.

Os parentes das vítimas até hoje recebem ligações com ameaças. "Para de procurar a polícia, para de acusar meu irmão, porque a gente já gastou demais. E a gente está conseguindo tirar ele, então para porque você sabe: quem manda é quem tem dinheiro. Isso é briga de pedra com ovo. Ele usava muito essa palavra com a gente. Que era briga de pedra com ovo, que a gente era ovo e eles eram pedra". Afirmou parente das vítimas que preferiu não ser identificada.

Conforme o STJ, Eurípedes teria recebido R$ 300 mil do empresário para conceder a soltura, mas a denúncia nunca foi investigada pelo Tribunal de Justiça do Tocantins. "O presidente do Tribunal simplesmente arquivou. E não mandou apurar nada. Nada! Nada foi apurado. Tem uma denúncia. Se procede ou não procede, teria que ser apurado", afirmou o conselheiro do CNJ, João Otávio de Noronha em sessão no ano de 2018.

Mesmo com renda familiar 80 mil reais mensais, menos de um milhão por ano,  o desembargador Ronaldo Eurípedes movimentou R$ 11,5 milhões apenas nos três primeiros anos como desembargador (de 2013 a 2015).

Só em 2017 foram mais R$ 12 milhões. Ele teria feito compras de fazendas e gado e pagado valores superiores ao que declarou para a receita federal para ocultar o dinheiro.

Parte das movimentações financeiras era realizada por Luso Aurélio Sousa Soares. Ele é contratado como assessor e trabalhava de motorista de Ronaldo Eurípedes no TJ. Luso Aurélio ganha um salário de R$ 14 mil. Mensagens de áudio e texto revelam como era a relação dos dois. Em um dos trechos eles tratam do pagamento de R$ 19 mil.

O desembargador diz "Luso, vai agora lá. Procura o compadre. Compadre Gedeon tá te esperando...". Ao que o assessor responde "Compadre resolveu comigo agora há pouco. Já quinze para as cinco. Aí tá comigo aqui. Vc quer que faça o quê? Põe na Caixa ou no Sicredi? Ou passa pra alguém?".

O “compadre” seria Gedeon Pitaluga Júnior, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Tocantins. Ele é investigado por supostamente ser um dos advogados que participou dos ilícitos e dividiu o rendimento com o desembargador.

Outros casos

Além de Ronaldo Eurípedes, outros quatro desembargadores foram afastados do TJ nos últimos 15 anos. Um deles, não foi julgado até hoje. Amado Cílion já recebeu R$ 6 milhões em salários e auxílios desde que foi afastado em 2011.

Outro desembargador afastado no estado é Liberato Póvoa, que se aposentou antes de ser julgado. Ele recebia R$ 35 mil por mês até morrer em 2019.

Willamara Leila de Almeida, que foi presidente do tribunal e Carlos Luiz de Sousa, que foi vice-presidente na mesma gestão, foram condenados pelo CNJ há sete anos. Ela recebe uma aposentadoria de R$ 26 mil e ele de R$ 32 mil. Enquanto isso, um terço da população do Tocantins, quase 600 mil moradores, vivem abaixo da linha da pobreza.  (Com informações Fantástico)

O que dizem os citados

A defesa de Ronaldo Eurípedes diz que o matrimônio dele foi construído ao longo de mais de 20 anos de advocacia e produção rural. E que nunca existiu venda de qualquer decisão judicial.

A Desembargadora Wilamara Almeida disse que a sua condenação é objeto de ação anulatória. E que certamente resultará no reconhecimento de sua inocência.

Carlos Souza, negou qualquer acusação de venda de decisões e afirmou que não teve oportunidade de se defender no CNJ.

Já a defesa de Amado Cílion disse que nenhuma das acusações contra ele foi comprovada. E que está sempre a disposição para colaborar com a Justiça.

A família de Liberato povoa disse que o desembargador era homem íntegro e morreu afirmando que iria provar a inocência.

Carlos Roberto Pereira disse que as acusações de compra de um habeas corpus são infundadas. Resultado do inconformismo das vítimas.

TJTO esclareceu que a decisão de arquivamento de reclamação disciplinar contra o desembargador Ronaldo Eurípedes, no caso do habeas corpus de Carlos Pereira, seguiu os trâmites normativos do CNJ.

Advogados de Luso Aurélio disse que documentos e testemunhas vão demonstrar a inocência de seu cliente.

Já a defesa do advogado Gedeon Pitalunga disse que há anos ele não tem um processo em julgamento sob responsabilidade de Eurípedes.