Veterinário ao lado da onça Cantão.
Foto: Reprodução/Instagram

Um filhote de onça-pintada experimenta os primeiros pedaços de carne, enquanto um tamanduá-bandeira toma um leite especial na mamadeira. No outro canto, araras se refrescam em um banho gelado para amenizar o calor no Tocantins. O lar desses bichinhos fica em uma fazenda no município tocantinense de Abreulândia, na região do Cantão, uma das mais importantes áreas de conservação do Brasil.

A fazenda que atua no setor do agronegócio, na criação de gado e no plantio de grãos, também serve de base para o Instituto Vale Rico, um criadouro conservacionista que tem como objetivo manter, reproduzir, reabilitar e reintroduzir os animais silvestres na fauna.

 

O médico veterinário, Leonardo Egon Lorentz, de 31 anos, mais conhecido como Léo Lorentz, filho dos donos da fazenda, divide a rotina entre o agronegócio e a conservação das espécies silvestres.

Nas redes sociais, ele chama a atenção ao compartilhar o dia a dia no local. Um vídeo mais fofo que o outro. Em um dos registros, ao som de uma trilha sonora romântica, uma arara-canindé pousa no braço do profissional para se alimentar. Em outro vídeo, uma ave pousa em um porquinho para pegar carona e dar uma voltinha.

“Eu sou apaixonado por tudo isso, tenho a vida que eu pedi a Deus, não posso reclamar de nada, sempre sonhei em ser veterinário. Na infância, eu dizia que queria ter um zoológico e eu nunca imaginei que o instituto tomaria proporções grandes e chegaria a ter uma onça-pintada, por exemplo".

A onça-pintada a que Leo se refere chegou há alguns meses e recebeu o nome de Cantão para homenagear essa região do Tocantins. Já é conhecido pelos seguidores no Instagram. Tem vídeo de apresentação e tudo mais. Por ter nascido em um criadouro localizado em Almas, não consegue viver sozinho, solto na natureza.

No dia a dia, Leo mostra as refeições do Cantão. A onça começou a tomar leite, depois passou a comer carne moída. Dias atrás, experimentou, pela primeira vez, uma carne com osso, frango e pedaços de peixe.

“Ele estava no leite específico, passou para a carne moída misturada com o leite para ir se acostumando com a carne. E depois começamos a colocar pedaços maiores de carne para estimular a mastigação. Naquele dia que fiz o vídeo, foi a primeira vez que dei um pedaço de osso. Foi mais para enriquecimento ambiental, para brincar e gerar esse contato. Ele estranhou porque nunca tinha visto o pedaço de carne daquele tamanho. Cada adaptação, precisa ser incluída devagar”, explicou o veterinário.

Os pais de Léo apoiam o projeto e ajudam no cuidado com os bichos. Nos fins de semana, aproveitam para pescar na represa da fazenda e garantir mais uma novidade na refeição do Cantão. Carinhoso, o veterinário brinca com a oncinha e faz carinho, como se fosse um bebezinho. Mas, ele sabe que daqui a algum tempo, isso será praticamente impossível.

“Como ele nasceu em cativeiro, ele é manso. O Cantão nos estranhava nos primeiros dias e eu fui incluindo cada vez mais pessoas no cuidado dele, porque é importante esse contato. A gente brinca, mas daqui um ano e pouco, a gente não vai aguentar as brincadeiras dele, não é um gatinho que vai ficar mordendo. Eles são fortes, pulam, arranham. A força e o tamanho vão triplicar. Mas a ideia é deixá-lo manso para facilitar o manejo porque ele vai ficar em cativeiro”.

A ideia do projeto é que o Cantão faça parte de um programa de reprodução de onças-pintadas em cativeiro para ajudar a espécie a sair da lista de animais ameaçados de extinção. Inclusive, o instituto deve receber uma fêmea para garantir a formação da família.

Na internet, uma vaquinha foi criada para arrecadar dinheiro e construir um espaço maior para a família de onças que será formada com o passar do tempo, além de outros animais que chegarão no espaço. Léo quer deixar o lugar confortável e seguro para os bichos.

O instituto não tem fins lucrativos e sobrevive com a ajuda de doações e o investimento de empresas. O dinheiro que ele arrecada no Instagram, através de publicidade, também é direcionado ao projeto.

Lar, doce lar

Léo se formou em medicina veterinária em 2011 em uma faculdade de Goiás. No ano seguinte, se mudou para o Tocantins, onde começou a atuar como profissional responsável pela pecuária e agricultura da fazenda Vale Rico.

Na época, uma moradora da região, que criava uma arara, disse que queria entregá-la para Léo porque a ave ‘gritava muito’. Ele passou a cuidar do animal e a postar o dia a dia com ele nas redes sociais. “Era tudo de forma ilegal porque na época eu não tinha muita noção da legislação”.

Os vídeos chamaram a atenção de uma moradora de Palmas, que também se interessou em entregar uma arara para que a ave pudesse viver em meio à natureza, sob os cuidados de um profissional experiente.

“Comecei a ficar com receio e procurei o Naturatins. Falei que eu era veterinário e procurei saber de que maneira poderia me legalizar, falei que tinha tempo livre e queria usar o espaço para ajudar de alguma forma. Quando o Naturatins viu onde a fazenda estava localizada, o interesse cresceu porque fazemos parte da APA do Cantão. Na nossa região tem um corredor verde que liga o rio Caiapó ao Araguaia. Era uma região ideal e que poderia se tornar uma área de soltura de animais”, disse.

Com a situação legalizada, o veterinário recebeu o termo de fiel depositário e passou a ser responsável pela guarda e cuidado de animais silvestres. Anos depois, surgiu o interesse de ter um criadouro licenciado. Nasceu, então, o Instituto Vale Rico.

Em Almas, há outro criadouro conservacionista que também cuida dos animais. Por lá, um casal de onças-pintadas reproduziu nove filhotes. Os responsáveis entraram em contato com Léo e perguntaram se tinha espaço para uma oncinha na fazenda. Foi assim que o Cantão chegou ao Instituto Vale Rico.

Outro animalzinho que dá os primeiros passos no local é o Ricco, um filhote de tamanduá-bandeira. Ele tinha alguns dias de nascido, quando foi encontrado em uma pastagem, sendo devorado por urubus.

“Os filhotes de tamanduá-bandeira não se desgrudam de suas mães, então provavelmente algo aconteceu com a mãe do Ricco. Eu busquei ele e entrei em contato com o Instituto Tamanduá, eles me deram um suporte na dieta, me ajudaram a identificar se era fêmea ou macho. Por mais que eu tenha conhecimento técnico, é sempre bom contar com profissionais experientes”.

O Ricco agora é super paparicado e está vivendo de boa na fazenda. Ainda novinho, ele se alimenta com uma mamadeira. “Tem uma dieta especial que inclui ração de gato, creme de leite e leite zero lactose”, relatou.

O objetivo é fazer a reabilitação do animalzinho e depois fazer a soltura monitorada. “Quem sabe ele não será o primeiro tamanduá criado em cativeiro reabilitado no Tocantins?”.

Além de cuidar do gado e dos animais que passam a viver no instituto, o veterinário também precisa cuidar dos cães e outros bichinhos da fazenda. Recentemente, ele ajudou um gansinho a nascer. O vídeo fofo fez sucesso na web. “Acabou a energia da chocadeira, parou de ventilar e ressecou o ovo. É o meu hobby. Os gansos são da fazenda, mas acaba que tudo fica ligado”.

Esse profissional, que é apaixonado pelos animais, acorda cedo para dar conta da rotina. Logo depois que o sol nasce, ele já está de pé preparando a comilança d bicharada. E ao longo do dia precisa seguir com os trabalhos da fazenda. Por causa da demanda, o instituto conta com a ajuda de quatro funcionários, mas todos os outros acabam colaborando.

“Os vizinhos ajudam também na alimentação das aves, doam mamão, coco, manga, todo mundo está entendendo o propósito do instituto”, disse orgulhoso.

Nesta semana, equipes do Naturatins fizeram a soltura de aves na região. Algumas voaram para longe. Outras, que tinham sido domesticadas, ficaram nas árvores que rodeiam a fazenda, bem perto dos humanos e dos bichos que já estão por lá. E se sentiram à vontade para passear pelas fazendas vizinhas. Léo fez vídeo mostrando o momento em que foi buscar algumas delas em uma propriedade próxima.

Todos são bem-vindos e bem alimentados no Vale Rico. A ideia é se especializar ainda mais para que os bichos não precisem ser enviados para criadouros de outros lugares do país.

“O Tocantins é bem novo nisso, mas eu acho importante manter os animais aqui. Temos o órgão que cuida da fauna estadual, tem que deixá-los aqui, fazer projetos de conservação aqui”.

Reprodução/Instagram

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