Iltami Rodrigues

Para os que ainda procuram uma explicação para a imoral (embora legal) renúncia de Siqueira Campos (PSDB) e a ascensão de Sandoval Cardoso (SDD) ao principal cargo político do Estado, uma declaração do atual governador, dada poucos dias após ser eleito pela Assembleia Legislativa, escancara os objetivos não declarados. Questionado sobre a natureza do governo que iniciava, garantiu que este “não é um novo governo, mas um novo jeito de governar”. Em recente encontro com parte de lideranças do Partido Progressista em Araguaína no qual foi anunciada a adesão pepista à sua candidatura, Sandoval afirmou que “está virando a página das disputas familiares no Tocantins”. As declarações de Cardoso merecem alguma credibilidade ou são apenas peças de retórica, discurso adequado a quem está em plena campanha e necessita agradar os ouvidos dos aliados e, especialmente do povo, a quem irá pedir autorização para continuar governando nas eleições de outubro?

Excesso de contratos

Essas declarações, submetidas à prova das ações e atitudes do novo governo, parecem mostrar que a fala do governador Cardoso não encontra eco na realidade. Na parte inicial da primeira declaração Sandoval reconhece e, principalmente, assume que é um governo de continuidade. Aceitou, portanto, ser “alçado” ao principal cargo político do Estado não para trilhar novos caminhos, mas tão somente dar sobrevida ao grupo que fincou pé no Palácio Araguaia no início de 2011 e ao qual aderiu no ano seguinte. As medidas políticas e de gestão desenvolvidas até aqui pelo governador Cardoso mostram isso claramente. Pressionado financeiramente por conta do elevado número de contratos no funcionalismo público e a ameaça de descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) o governo, nos últimos dias, demitiu milhares de funcionários comissionados, para nos dias seguintes, recontratar a maioria deles. A recontratação, em período pré-eleitoral, representa um ativo político e eleitoral que entra na conta do Palácio (e de seus aliados na assembleia, que acabam emplacando suas “cotas” na gestão pública) que habilmente manipula expectativas desses servidores (com isso provocando inúmeras relações de gratidão entre quem viabiliza e o contratado) sem efeito prático nenhum sobre o problema principal: o excesso de contratos na administração pública. Outra questão diz respeito aos investimentos que o Palácio tem feito na infraestrutura de alguns municípios em ano eleitoral com destaque para o recapeamento asfáltico (PROGRAMA PRÓ-MUNICÍPIOS), estratégico em agradar empreiteiras (principais financiadoras de campanhas), cooptar prefeitos (e seus apoiadores locais) e manipular a percepção da massa sobre os resultados da gestão. Salta aos olhos esses investimentos virem agora (PERÍODO PRÉ E ELEITORAL) e da forma como estão sendo feitos (muitos dos convênios e liberações em caráter emergencial, mecanismo que afrouxa os sistemas de fiscalização desses recursos).

“Mais do mesmo”

Mas a medida que, talvez, mais deixa claro que Cardoso é “mais do mesmo” e blefa ao afirmar que inaugurou no Tocantins “um novo jeito de governar” seja o anúncio de que o Palácio resolveu vender 49% das ações que ainda possui na CELTINS, a distribuidora de energia. O Diário Oficial do último dia 22 publicou decisão de incluir a empresa no Programa Estadual de Desestatização, além de entregar a condução de tal tarefa para a Secretaria de Infraestrutura cujo titular é ninguém menos que Kaká Nogueira, cunhado do governador. Precisa dizer mais alguma coisa? Ao que parece, tudo será feito sem debate público, à revelia da Assembleia Legislativa e, mais uma vez, sem preservar o interesse público. Qual a novidade? O Ex-Governador Siqueira Campos conduziu um processo parecido quando vendeu 51% da CELTINS para o Grupo Rede em 1989 e quando entregou por completo a SANEATINS em 2013 para o Grupo Foz/ODEBRECHT. 

“Um novo jeito de governar”

A segunda frase sofre do mesmo mal que a primeira. Não encontra respaldo na realidade. Foi dita num momento de adesão de aliados, numa cidade que é o segundo maior colégio eleitoral e no qual Sandoval precisa ser mais conhecido. Como se sabe, Lázaro é marido de Valderez Castelo Branco Martins, que foi candidata a vice-governadora na chapa derrotada de Carlos Gaguim em 2010 e o PP desde o início do ano passado cultivava a possibilidade de lançar candidatura ao governo do Estado com PT, PCdoB e PSL, a agora desfeita Terceira Via. Podemos inseri-la, então, numa política de boa vizinhança em que o agora titular do Palácio reforça seu nome, estrategicamente, em detrimento do seu antecessor, com o qual, os neo-aliados, em passado recente mediram forças eleitorais.

Distanciamento de Siqueira

No entanto, é possível perceber, nos discursos de Cardoso, a tentativa de manter certo distanciamento do nome de Siqueira e até mesmo do seu filho Eduardo. Não ao ponto de negá-los, mas o suficiente para não ser atingido pela impopularidade e rejeição eleitoral que ambos gozam Tocantins afora. É isso que explica Cardoso reconhecer alguns problemas deixados pela gestão anterior, se manifestar surpreso com a situação de alguns setores e, eventualmente, emplacar leves críticas sobre a falta de investimentos das gestões anteriores (incluindo o último mandato de Siqueira). Está claro que ele, primeiro como deputado estadual, na base aliada praticamente desde o início do mandato e, depois como Presidente da Assembleia, sabia dos poucos resultados da gestão do governo que apoiava. Se não sabia, acaba por revelar sua displicência e irresponsabilidade como fiscalizador do executivo.

Siqueira Boy

Cardoso, à medida que esse mandato tampão avança, mostra sinais cada vez mais claros, que se trata de um Siqueira Boy. Propôs-se a ser aquilo que Marcelo Miranda não aceitou ser quando foi eleito com apoio do velho em 2003: uma marionete (embora seja evidente que Miranda rompeu não por questões ideológicas, mas meramente orgulho e amor próprio, pois queira ser o governador de fato e de direito e não era esse o papel ao qual o seu “padrinho” havia delegado). Está totalmente ligado ao Siqueirismo, no discurso e nas práticas políticas e eleitorais. É bastante difícil, mas não impossível, que alguém que pactua com determinadas forças políticas seja o mesmo agente responsável pela superação daquelas mesmas forças. A história brasileira possui diversos exemplos. Mas até aqui, dado os sinais e evidências, Sandoval transformou-se na alternativa possível para o Siqueirismo (e tudo que ele representa em termos de prática política) se reinventar e não desaparecer do cenário político tocantinense.  

Perfil

Iltami Rodrigues da Silva é Historiador – Professor no Colégio Adolfo Bezerra de Menezes em Araguaína e Albert Einstein em Colinas do Tocantins.

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