Em Brasilia, os órgãos de informação do Governo Militar insistiam na tese de haver "terroristas" articulando no norte goiano uma reação armada. Em conversa com um professor em Porto Nacional, ele dizia que "terrorista" era o governo, que fazia um terror de Estado contra pacatos cidadãos. Na região, os moradores desconheciam qualquer mobilização de luta armada contra a ditadura militar. Esse e outros assuntos são rememorados em nossa "MEMORIA DO TOCANTINS – Primeiro Volume", obra a ser lançada nos próximos dias em Palmas, Porto, Gurupi e Araguaína.

Nos anos 70 somente as cidades de Araguaína e Gurupi mantiveram jornais impressos. No ano de 1973, passo a editar o seminário TRIBUNA DA AMAZONIA (depois. O ESTADO DO TOCANTINS, a partir de 1975), com a redação em Araguaína e impresso na vizinha cidade de Carolina. Na época fazia e refazia textos para não mexer com os milicos. Não havia nem rádio e nem televisão no norte goiano. À noite, o rádio só tinha sintonia com emissoras da "guerra fria" (Voz da América, BBC de Londres e rádios da Rússia, China e Cuba) e pedaços da Voz do Brasil, retransmitidos por rádios de Belém do Pará. Fora da estrada Belém-Brasília o isolamento dominava a paisagem regional.

Algumas vezes era convocado pelo Batalhão da Polícia para esclarecer notas do jornal, mas a situação mais crítica foi quando um oficial do Exército exigiu minha presença ali para explicações sobre uma nota em que denunciava militares que protegiam grileiros. Na redação, passei a praticar a autocensura, antes da impressão do jornal, e não mais publicava denúncia de posseiros contra grileiros, mas orientava as vítimas a denunciar diretamente em Brasília.

Em Gurupi o jornalista pernambucano Buchinho (Antonio Poincaré Andrade, pai do prefeito Otoniel e do deputado Toinho) fez editar o jornal A VOZ DE GURUPI e começou a publicar uma série de denúncias contra funcionários da Rodobrás (empresa estatal para construção da Belém-Brasilia) e de gente poderosa do Sul de Goiás. Foi preso pelos militares como "subversivo" à Segurança Nacional. Mudou-se para a cidade de Porto Nacional, onde fundou o PORTO NACIONAL JORNAL, sendo eleito, depois, prefeito.

Por questão de direito de posse, no Vale das Cunhãs, em Arapoema, o empresário Ademar "Boa Sorte" tem apoio do irmão Benedito, então deputado federal, e o recém chegado à região Siqueira Campos é denunciado e preso no Batalhão da PM em Araguaína. Com a eleição do deputado Benedito para senador biônico, Siqueira viu ai um buraco para enfrentar os "Boa Sorte" na eleição para deputado federal.

Nas cidades havia os "informantes" (dedo-duro, araponga), moradores recrutados e pagos pelo militares para denunciar os "inimigos do governo". A gente que morava no norte goiano vivia um período de muita insegurança e muito medo porque a qualquer momento podia ser denunciado pelo "informante" como inimigo da ditadura.

 Nas estradas, os militares e seus agentes paravam os veículos para identificar os passageiros... Se fosse localizada arma de fogo ou o rosto do passageiro mostrasse alguma semelhança com as fotos dos "terroristas", o coitado do passageiro ficava detido para investigação. Em Araguaína o barulho de helicópteros militares dia e noite tirava o sossego da gente.

Esse negócio de direitos humanos era desconhecido pelo nortense, hoje tocantinense. A população, de maioria analfabeta, desconhecia a organização sindical para pleitear direitos. Não tínhamos uma elite intelectual para orientar os chefes políticos. Somente os estudantes da CENOG entraram em ação em nome do povo explorado no campo. Era preciso expulsar os grileiros da região e fazer a reforma agrária para os posseiros.

Muitos estudantes da CENOG foram presos em Porto e Pedro Afonso Em Porto Nacional, estudantes e professores foram vítimas de tortura física para denunciar os "terroristas" e seus colaboradores na região. O bispo Dom Alano e o professor Maya salvaram a vida de muitos inocentes.

O povo só foi entender a palavra "terrorista" após a Guerrilha de Xambioá (hoje chamada de guerrilha do Araguaia), com a execução do último guerrilheiro, em 1975...