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Sex Education e a sexualidade adolescente

A clínica de Otis e Maeve traz à cena as vivências da sexualidade tanto dos adolescentes quanto dos adultos nos ambientes escolar e da vida pessoal, e sobre isso vamos elaborar três comentários.

Sex Education é uma série original da Netflix.
Foto: Divulgação/Netflix

A série inglesa Sex Education teve nesta sexta-feira, dia 17 de setembro, após uma longa espera, dado o contexto da pandemia do Covid-19, a estreia de sua terceira temporada na plataforma Netflix. Para quem ainda não assistiu, no que segue pode haver algum spoiler.

O fio condutor da narrativa é a clínica de orientação sexual estabelecida em uma ala de banheiros abandonados no colégio Moordale pelos adolescentes Otis Milburn (Asa Butterfield) e Maeve Wiley (Emma Mackey). A mãe de Otis, Dra Jean Milburn (Gillian Anderson), é terapeuta sexual e exerce sua clínica em casa, o que abre a oportunidade para que o garoto tenha convivência não apenas com um ambiente em que assuntos relacionados à sexualidade sejam tratados de maneira franca e aberta como também com os materiais pedagógicos utilizados pela mãe em sua profissão e com o próprio setting terapêutico.

Otis, bastante curioso, como é de se esperar de crianças e adolescentes, escuta as sessões de terapia às escondidas e estuda seus livros e revistas e, assim, constrói um bom repertório sobre os aspectos fisiológicos e psíquicos da sexualidade humana, além de desenvolver uma sensibilidade fina em relação ao sofrimento humano, que o capacita a ouvir, depois, seus colegas na escola em seus impasses relativos à própria sexualidade e relações afetivas. A clínica de Otis e Maeve traz à cena as vivências da sexualidade tanto dos adolescentes quanto dos adultos nos ambientes escolar e da vida pessoal, e sobre isso vamos elaborar três comentários.

Educação sexual no currículo escolar

O primeiro se relaciona ao fato curioso de a escola ter no currículo um componente chamado educação sexual, mas ser a clínica dos dois adolescentes, exercida de modo clandestino, o espaço procurado pelos demais alunos em busca de orientação para lidar com os desencontros relativos à sexualidade. Os assuntos são os mais variados tais como vaginismo, orgasmo feminino, dificuldades na ereção, tamanho do pênis, fantasias sexuais etc. O colégio nada quer saber disso, preferindo ignorar e às vezes reprimir esses interesses pontuais dos alunos.

Porém, como já escrevia Sigmund Freud, em 1905, em seus Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, a puberdade – que dá início ao que hoje conhecemos como adolescência – é um período em que ocorre uma elevação da libido e a superestimação sexual, de modo que as questões relacionadas à sexualidade ocupam boa parcela da atenção do jovem, e com boas razões.

Neste período da vida é que o adolescente, além do prazer preliminar – o que se sente pela excitação das zonas erógenas e outros órgãos, como a pele, por exemplo – também está apto a sentir o prazer final, ou seja, aquele derivado da atividade sexual propriamente dita, uma vez que o corpo, nessa fase da vida, já está pronto para realizar a expulsão, no menino, do espermatozoide e, na menina, do óvulo.

O colégio Moordale, como gesto de negação da sexualidade adolescente, além de fechar a clínica de Otis e Maeve, claro, porque exercida por menores de idade, toma outras medidas como mudança do nome da disciplina de educação sexual para Crescimento e Desenvolvimento – que veio com a proibição imposta aos professores de se desviarem dos tópicos já estabelecidos, de conversar sobre a vida pessoal dos alunos e de lhes responder a perguntas pessoais -, a adoção de uniforme, em tom predominantemente cinza, e da fila única para o trânsito pelos corredores do colégio, tudo isso para tranquilizar o conselho escolar, os pais e os investidores, ou seja, o incômodo com a sexualidade dos alunos não traduz o posicionamento apenas dos dois diretores durante as três temporadas, mas sim uma mentalidade cultivada para além-escola, presente em parcela da sociedade inglesa e eu até diria que em muitas outras sociedades ocidentais, como a brasileira,  que tem buscado resgatar valores ditos tradicionais, conservadores, em flerte com a censura a certos aspectos da sexualidade não apenas das crianças e dos adolescentes, mas também dos adultos, em um movimento de resgate a uma suposta conduta reta e digna da expressão da sexualidade humana.

Freud, em seu texto O interesse da Psicanálise: para a pedagogia, de 1913, já recomendava que os educadores parassem de tentar suprimir as manifestações da sexualidade dos alunos – porque isso, de resto, é algo que jamais se consegue mesmo - e, ao invés disso, que as admitissem e as direcionassem para interesses educacionais, fazendo dos impulsos sexuais um forte aliado na construção do conhecimento escolar.

Adultos x sexualidade

O segundo comentário enfatiza que os modos como os adultos – pais e professores, na série – lidam com a sexualidade dos adolescentes indica como esses adultos vivenciam sua própria sexualidade. A mãe de Otis, a Dra Jean, tinha dificuldades, incialmente, de separar os papéis de mãe e terapeuta no relacionamento com o filho, manifestando, às vezes, preocupação invasiva quanto ao desenvolvimento do jovem que, já um adolescente, ainda não se masturbava. Por isso, Otis deixava pistas falsas de atividade masturbatória para aplacar a preocupação materna. O limite é estabelecido por ele próprio em discussão com sua mãe, que revê seu posicionamento e passa a respeitar mais a privacidade do filho.

Outro exemplo é o do professor de educação sexual, Colin Hendricks (Jim Howick), que busca os conselhos de Otis para lidar com seus próprios impasses na vida sexual com sua parceira, a também professora Emily Sandes (Rakhee Thakrar). Como último exemplo, o diretor de Moordale nas duas primeiras temporadas, Michael Groff (Alastair Petrie), um homem bastante rígido e protocolar, incapaz de franquear abertura subjetiva ao filho, Adam Groff (Connor Swindells), e de estabelecer uma parceria amorosa significativa com a esposa, Maureen Groff (Samantha Spiro) que, no decorrer da série, decide por se separar dele. A separação e a perda do emprego o levam ao consultório da Dra Jean que, por meio da terapia, o ajuda a se conectar com uma parte mais desejante de si e criativa da vida.

Conduta de Otis

O último comentário, por fim, diz respeito à própria conduta de Otis na sua vida pessoal e nas intervenções clínicas e institucional. Do ponto de vista das instituições – família e escola, por exemplo, é importante que os adultos se responsabilizem pela geração jovem, ofertando, inclusive, orientações seguras e confiáveis baseadas no conhecimento científico já acumulado sobre a sexualidade humana, e não ancoradas nos seus medos, inibições e conflitos não resolvidos.

Nesse sentido, Otis dá a diretora Hope o seguinte conselho: alguém precisa cuidar desses alunos, e precisa ser um adulto. Apenas quem é capaz de enfrentar a sua própria sexualidade, com seus impasses e caráter conflituoso, sem recuar para uma posição de negação e ignorância, pode educar de maneira lúcida e esclarecida as novas gerações.

Além de uma educação para todos, é importante que os jovens tenham linhas de comunicação abertas em casa e na escola para, sempre que precisar, recorrer a um adulto responsável em busca de orientação para seus dilemas pessoais porque, como se sabe, a expressão da sexualidade em cada pessoa é sempre da ordem do singular, ou seja, no fim das contas cada um vive sua sexualidade de maneira única, o que em si não é nada fácil, e cada um de nós sabe disso, não é?

Autor

Dr. Francisco Neto   

   *Dr. Francisco Neto Pereira Pinto

    Psicanalista, escritor, membro da Acalanto, e professor no PPGDire/UFNT e no Unitpac. E-mail: fneto@uft.edu.br