
A Prefeitura de Tocantinópolis, no Tocantins, iniciou nessa quarta-feira (15) a distribuição em massa do vermífugo ivermectina para a população da cidade como forma de combater a Covid-19. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não há evidências científicas de que a substância seja eficiente contra a doença.
Segundo o secretário de saúde do município, Jair Aguiar, o medicamento também será distribuído para aldeias indígenas da etnia Apinajé que vivem na região. O Ministério Público estadual e o Ministério Público Federal apuram o caso.
A distribuição do medicamento foi anunciada pela prefeitura, comandada por Paulo Gomes de Souza (PSD), por meio de um panfleto distribuído no início desta semana. A distribuição será feita nos postos de saúde do município e, na primeira fase, vai atender apenas a pessoas acima de 50 anos. A ideia, segundo Jair Aguiar, é que as demais faixas etárias sejam atingidas nas próximas semanas.
Segundo o secretário, para ter acesso ao medicamento, basta ir a um posto de saúde, solicitar o remédio e assinar um termo de responsabilidade no qual o paciente alega ter conhecimento sobre os efeitos colaterais do uso da ivermectina.
Jair disse saber que a Anvisa não recomenda o uso da ivermectina no tratamento da Covid-19, mas afirmou que a cidade tomou a decisão de distribuir o medicamento com base em supostos bons resultados obtidos em outros locais como a Nova Zelândia. Segundo ele, a ideia é “imunizar” a população contra a doença.
— Tomamos essa decisão com base em dados clínicos observados em alguns municípios do país e outros países como a Nova Zelândia. O medicamento tem se mostrado eficaz na prevenção e combate à doença. Ninguém tem certeza quanto a nada em relação a essa doença e a distribuição é preventiva e na tentativa de imunizar a população — disse.
Posição da Anvisa
As alegações de Jair, no entanto, vão na contramão do que diz a Anvisa sobre o medicamento. Em nota divulgada na semana passada, a agência reforçou que não há evidências científicas sobre a eficácia da ivermectina no combate, cura ou imunização contra a Covid-19.
“Inicialmente, é preciso deixar claro que não existem estudos conclusivos que comprovem o uso desse medicamento para o tratamento da Covid-19, bem como não existem estudos que refutem esse uso. Até o momento, não existem medicamentos aprovados para prevenção ou tratamento da Covid-19 no Brasil. Nesse sentido, as indicações aprovadas para a ivermectina são aquelas constantes da bula do medicamento”, diz a nota da Anvisa.
Para indígenas
Jair Aguiar admitiu que o medicamento também será distribuído a índios da etnia Apinajé que vivem na área do município. Segundo ele, o remédio vem sendo usado para combater o “bicho de pé”, que causaria crises renais entre os indígenas. Jair diz que, agora, os medicamentos serão distribuídos tanto para combater o parasita quanto como medida de “profilaxia” contra a Covid-19.
— A ivermectina, como antiparasitário, foi muito bem utilizada no ano passado para combater o bicho de pé.Começamos a ter os primeiros casos das crises renais entre os indígenas neste ano. Com isso (a distribuição) você combate o parasita que causa essa doença e também usa como profilaxia para a Covid-19 — disse.
Jair afirmou que comunicou o fato à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde e responsável pela saúde indígena em todo o Brasil.
— Informalmente, nós comunicamos por meio da divulgação, à Sesai — afirmou.
Segundo ele, a distribuição do medicamento aos indígenas deverá ocorrer a partir da semana que vem.
MP abre investigação sobre caso
O Ministério Público do Tocantins (MPE) abriu um procedimento para investigar a distribuição de ivermectina na cidade. Segundo o promotor Saulo Vinhal, o órgão vai investigar suspeitas de irregularidade na distribuição do medicamento sem contato do paciente com o corpo médico.
— A princípio, não cabe ao Ministério Público estabelecer uma linha de atuação contrária ou favorável a qualquer tratamento medicamentoso, salvo em caso de erro grosseiro, quando não observadas evidências científicas, e isso será objeto de apuração. Não considero adequada a distribuição indiscriminada, sem contato direto entre médico e paciente. A finalidade do medicamento será objeto de investigação — disse o promotor.
O procurador da República Thalles Coelho, por sua vez, disse que vai solicitar informações à Prefeitura de Tocantinópolis para checar os planos da prefeitura de distribuir ivermectina aos povos indígenas da região como forma de combate à Covid-19.
A reportagem enviou questionamentos ao Ministério da Saúde e à Sesai sobre a distribuição de ivermectina às aldeias do povo Apinajé, mas ainda não recebeu resposta.