Luiza Helena Oliveira da Silva
No folheto que recebo distraidamente, encontro a propaganda de Monsieur Nassok, que promete o retour de l"amour. Em tantas ruas encontro a mesma promessa, dentre outras que os místicos fazem: trabalho, saúde, dinheiro, etc etc. São nossos desejos de felicidade: que haja boa fortuna, que tenhamos saúde para gozar a vida, e que tenhamos o amor ao nosso lado, este que parece sempre disposto a partir.
Muitas dessas promessas me inquietam sempre. Primeiro porque mobilizam sabe-se lá quais forças, de um além que não pressentimos. Porque resolvem tudo, e um pouco mais. Mas sempre penso nos amores perdidos, ou partidos, porque ganham o mundo. A sintaxe se reitera em tantas narrativas: havia sujeitos que eram unidos, conjuntos, separaram-se. S2 foi comprar um cigarro, tomar uma cerveja na esquina, ligaria no final de semana, mandaria um SMS, nunca mais foi encontrado. Sumiu do Face, do Skype, do mundo. S1 espera, escreve cartas, e-mails, poemas que não encontram seu destino, chora baldes, descabela-se, mobiliza, por fim, os poderes de Nassok, ou madame alguma coisa, desde que o nome do contratado – é essa a condição – seja assim quase mágico, espécie de abracadabra de batismo.
E se os amados retornam a contragosto? E acaso se reencantariam do amante esperançoso que então permaneceu, o rosto vincado das lágrimas que desabavam? Ou ficariam a lamentar a interrupção, a viagem abandonada, o destino maravilhoso interrompido?
Um parte; o outro sofre, espera, contrata serviços de busca. Para o que se foi, o amor era certamente acabado, buscava novos encontros, sem gosto para permanecer na conjunção indesejada. Fugir, sumir-se, evaporar-se, esconder pistas que só Monsieur Nassok ou Madame Valmira sabem encontrar. Para o que fica, embora disperso pelas ruas para encontro com a propaganda numa calçada, o amor é vivido como falta, desejo da mesma comunhão. Não uma outra, uma nova, com o sujeito que diferente regressaria, mas com o velho, aquele que o deixara, nostálgico do vivido que jamais retorna.
Vai que o amado volta, contrariado: pois Nassok o encontrou, bateu-lhe à porta, buscou-o num bar, num hotel, numa praia... Argumenta, conta o estado lamentável daquele que o espera. Fala do amor, prêmio supremo, que não se pode rejeitar, que a vida é breve. Ou não lhe diz nada, apenas assando-lhe o desejo pelo outro, o S1, o esperançoso, que vive somente da falta.
O fugitivo arruma as malas, bebe o resto da cerveja, põe-se na estrada, regressa. Seriam felizes, afinal?
Talvez o que aguarda nem saiba que poderia haver um outro amor.
Que Nassok poderia trazer então um outro, para uma nova e tênue conjunção, para a frágil felicidade da experiência do amor, para que se abra à experiência de outras nostalgias e promessas de reencontro. Para que a sintaxe se repita, indefinidamente, para os que ficam, para os que vão. O amor então uma falta, a encher baldes, a alimentar poemas que ficam sem destinatário preciso, a servir de renda a Nassok e a Valmira.
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Luiza Helena é Professora da UFT e pós-doutoranda em sociossemiótica.