O golpe militar de 1964 foi, durante muitos anos, estudado nos livros de história do Brasil como revolução militar. Defensores do regime que derrubou o governo do presidente João Goulart também o chamavam de contrarrevolução de 1964. O nome, no entanto, não é a única divergência sobre esse momento histórico. Militares, historiadores e pesquisadores discordam também sobre a data em que o golpe foi consumado.
“Os vencedores sempre escolhem como contar a história e, por isso, durante décadas, se comemorou no país, em 31 de março, o dia da revolução militar de 1964”, explica o professor da Universidade de Brasília (UnB) Virgílio Arraes, doutor em história das relações internacionais. Para ele, lembrar a data no dia 1º de abril - “Dia da Mentira no Brasil e Dia dos Bobos nos Estados Unidos” - poderia ser um sinal de descrédito, nacional e internacionalmente.
No dia 31 de março, à noite, o general Olímpio Mourão Filho, com apoio do governador de Minas Gerais, José Magalhães Pinto, seguiu com suas tropas de Juiz de Fora (MG) para ocupar a cidade do Rio de Janeiro, a cerca de 200 quilômetros de distância, e depor o presidente João Goulart (Jango). Chefes militares de todo o país, além dos governadores do estado da Guanabara, Carlos Lacerda, e de São Paulo, Adhemar de Barros, aderem ao movimento, que, para muitos autores, se efetiva no dia 1º de abril, um dia depois da data estabelecida pelos conspiradores.
No dia 1º, vários cidadãos são presos pelos militares, incluindo o então governador de Pernambuco, Miguel Arraes. Um dos marcos históricos da deposição de Jango, no entanto, é o discurso do senador Auro de Moura Andrade. Presidente do Congresso à época, ele declara, de forma inconstitucional, a vacância da Presidência da República.
O anúncio, apresentado nas primeiras horas da madrugada de 2 de abril, acrescenta mais uma data na história do golpe. Jango, que ainda estava no Brasil, não reagiu. O cargo foi assumido provisoriamente pelo então presidente da Câmara, Ranieri Mazilli, sob tutela de uma junta militar.
“Não é uma coisa banal, porque tem uma importância simbólica. Não aceitar o dia 31 é uma forma de denunciar o golpe”, avalia o professor Rodrigo Patto Sá Motta, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O historiador explica que os opositores ao golpe defendem a data de de 1º de abril como “uma estratégia de ridicularizar o movimento militar” que, desde o início, estabeleceu o 31 de março como Dia D.
“Do ponto de vista mais frio dessa história, a data que deveria ser lembrada é 31 de março ou 2 de abril, porque não há nenhum evento que justifique usar o 1º de abril como o dia do golpe”, opina Motta. Segundo ele, o movimento militar que culminou com o golpe se iniciou no dia 31 de março e foi vitorioso no dia 2 de abril, com Goulart deixando Brasília rumo ao Sul do país e sendo decretada a vacância da Presidência. “O dia 1º de abril não tem nenhuma razão objetiva para ser usado como data, a não ser essa brincadeira, gozação contra a ditadura, como o dia da mentira, uma data pejorativa e que tem um sentido político.”
Filho do presidente deposto, João Vicente Goulart relata que seu pai esperou a posse de Mazzili para ter certeza do golpe e partiu para o Uruguai apenas no dia 4 de abril. “Para mim, a data é o dia 2 de abril, quando se empossa Mazzilli e o governo norteamericano, duas horas depois, reconhece o novo governo brasileiro, com o presidente eleito [Jango] ainda dentro país.”
Visto como algo insignificante por alguns e como simbólico e nada ingênuo por outros, a polêmica sobre o data não influenciou a natureza do golpe, que levou o país a mais de duas décadas de regime militar. “É mais uma dessas coisas tipicamente brasileiras e não tem nada a ver, porque poderia ter sido em qualquer dia que não mudaria a substância da coisa, porque foi um golpe, a tomada pelo poder”, avalia o historiador da UnB Pio Penna, que defende 1º de abril como a data do golpe.