Marcos Reis

Ausente algum tempo deste espaço eletrônico, recolhi-me voluntariamente para apurar algumas compreensões socioculturais deste período ímpar na história brasileira e, com essa indagação inspirada no mítico pensamento sheakspeariano, adentramos em um terreno bastante movediço: as folclóricas eleições gerais no Brasil.

Se por um lado os ânimos da militância se acendem, fomentados por um desejo íntimo de demonstração de superioridade, por outro, há o que já consideramos ser um sentimento coletivo de verdadeira aversão à atividade político-eleitoral no País. E isto, invariavelmente, tende a crescer, tornando as urnas cada vez mais indesejadas e consideravelmente frágeis ao assédio de indivíduos mal intencionados e de outros, insuflados pelo ego messiânico e resolutivo, mas completamente despreparados e inaptos para os cargos que postulam.

Os escândalos recentes envolvendo o alto escalão da governança nacional revelaram o outro lado da moeda. Outrora, o Partido dos Trabalhadores, que afiançava ser o paladino da ética e da moralidade, revelou-se, creio, o mais espúrio dos governos. Destarte, implementou uma iniciativa social sem precedentes que, creio, veio a colocar “pedras em um barco a naufragar”, transformando parte da população em indivíduos “ociosos profissionais”. De semelhante modo, revelou um bem articulado esquema de corrupção e fraudes que, parafraseando seu preceptor maior, nunca na história deste País, se tinha visto.

Do contrário, devemos reconhecer que muitos destes programas foram exitosos: os habitacionais, por exemplo, possibilitaram a milhares, a oportunidade de possuírem a tão sonhada casa própria. Isto é um fato a ser aplaudido. O acesso às universidades, de igual modo, foi ampliado, bem como a construção de mais unidades de ensino no resto da nação. Fato também inconteste. No frigir dos ovos, revelou-se como um governo irresponsavelmente responsável. E isto não é privilégio só deste governo. Dos pretéritos também.

Isto, via de regra, conduziu as discussões para as searas domésticas. As alianças, no entanto, praticadas em nível nacional e, embora repetidas nas “províncias”, fez com que antigos rivais, sentassem-se à mesma mesa e dividissem o mesmo pão. Pão este tão cobiçado que transtorna os ânimos e, diversas vezes, leva aos militantes a se transformarem em verdadeiros gladiadores em um circo de aberrações.

A usca pelo poder, conforme a avaliação, é este combustível. Invariavelmente, utilizam de expedientes não muito éticos para facilitar o acesso à ele e quase sempre, permitem-se agressões e baixezas, sempre com o pretexto de “defender” a ética e a democracia.

O que isto proporcionou ao eleitor, espectador de tais aberrações? Vejo que, além da sensação de impunidade, por conta muitas vezes da inércia dos órgãos punitivos, criou-se na crença popular a sensação de que “político não é punido”. Por outro lado, estimulou ainda mais a sanha de indivíduos embebidos no mau-caratismo a almejarem cargos eletivos exatamente para desfrutarem desta “blindagem” chamada imunidade parlamentar e foro privilegiado.

Para muitos eleitores com quem tenho dialogado, o exercício do voto tem sido tão doloroso quanto o resultado de um voto inconsequente. Ato contínuo, a descrença nas instituições e a sensação de desproteção por conta da impunidade e protecionismo, têm criado um espírito coletivo de não reconhecimento de legitimidade delas. Exemplo disto tem sido a hostilidade com que muitos tratam alguns agentes públicos em determinados casos, bem como as vaias coletivas e verborragia contra muitos gestores em atos públicos. Beira a desordem coletiva.

O que fazer, portanto?

O direito/dever do voto precisa imperiosamente ser despido da roupagem de “legitimação” aos desmandos e desgoverno. De mesma forma, é necessário desmistificar a ideia de que não se perde voto e, portanto, votar em quem as pesquisas (muitas vezes fabricadas) indicam estar à frente das intenções não significa, de igual modo, ganhá-lo. Só perde o voto quem não votou e, nessa linha de raciocínio, se a maioria que, eventualmente, não concorda com a gestão vigente, deixa de votar, esta acaba se perpetuando.

Por derradeiro, e não menos importante, considero imperativa a necessidade da imediata e contínua conscientização coletiva no sentido de se priorizar a análise das propostas e não unicamente da pessoa dos candidatos. Evidentemente, haverão aqueles da predileção pessoal mas é imprescindível confirmar a integridade do indivíduo, sobretudo se o mesmo já exerceu ou exerce mandato eletivo. Preterir candidatos que já se viram envolvidos em delitos de improbidade e repudiar, a todo custo, toda e qualquer prática de corrupção pré eleitoral.

Enfim, devemos votar sim, conscientes de que com a mesma arquitetura que se construiu o atual sistema corrupto, falível e em crescente descrédito, é possível reverter o atual e preocupante quadro da nação brasileira para o tão sonhado Estado Democrático. 

Receitas como estas já foram apresentadas desde que o Brasil é república, só que hoje temos uma ameaça ainda maior que a volta da monarquia, o descrédito das instituições e a desorganização nacional: a ameaça da institucionalização do ilegal e oficialização do imoral.

Perfil

Marcos Reis é Advogado, Historiador, Escritor e Professor de Direito Penal e Constitucional. Natural de Belém do Pará. Reside em Araguaína onde exerce a advocacia criminal e é docente jurídico universitário e em cursos para concursos públicos. Pertence à Academia Paraense de Letras e à Academia de Letras de Araguaína e Norte do Tocantins.