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À beira do Araguaia: Uma obra de contos ou um romance?

Lançamento virtual de À beira do Araguaia ocorrerá nesta quinta-feira, 18, às 19h30, pelo canal oficial do Unitpac no YouTube.

Lançamento do livro será nesta quinta, 18.
Foto: Divulgação

Parece que as duas coisas. E por isso a obra faz lembrar outras, e, bem especificamente, outra: Vidas Secas. Vidas Secas é uma obra cujos capítulos – e isso já foi bastante discutido pela crítica – podem ser lidos de forma independente. Obviamente, bom mesmo é ler a obra toda, do primeiro ao último capítulo.

Os contos ou capítulos – como queiram – de À beira do Araguaia contam histórias sobre a vida de uma pessoa, de pessoas, de uma família, enfim, que vive(m) às margens do Araguaia. Ou à beira. Moram na beira e vivem nas imediações.

Pedro e Ana formam um casal que – se considerarmos a nossa cultura, a nossa tradição fortemente preconceituosa – seria improvável: um pescador cuja vida teve seu percurso na superfície de um rio e nas suas margens. E esse pescador era casado com uma belíssima mulher loura. E essa mulher loura era uma leitora ávida de obras literárias – poesias e romances: Cecília Meireles, Hilda Hilst, Florbela Espanca, Paulo Leminski, Drummond... E, mais ou menos indiretamente, García Márquez, Clarice Lispector... E cordel, e Dom Casmurro... E essas pessoas foram capazes de dar a uma gata o nome Calíope, nome de uma grega musa inspiradora. Parece inverossímil.

Uma obra que narra momentos prosaicos da vida – como tomar leite com chocolate e ler poesia, ou ainda sentar na varanda à noite para esperar o outro (ele) chegar, ou ainda aproveitar oportunidades que aparecem para faturar, como aquelas pessoas que vendem espetinhos em praças e outros lugares em dias de eventos. A construção de uma ponte mobilizou a família para investir em oferta de refeições e assim ter uma renda extra.

Fala de pessoas que, apesar do que determinaria alguma lógica a respeito de quem vive às margens de um grande rio, o que exigiria, conforme o senso comum, o consumo de algumas bebidas ou alimentos mais característicos, consumiam leite com chocolate e vinho numa casa iluminada com lamparinas. Como e onde compravam? Na vila, na aldeia, no espaço urbano do município onde a narrativa se desenrola. Quem pesca e quem vende refeições ganha dinheiro com tais atividades e pode gastá-lo como bem quiser, não é mesmo? Quem gosta de chocolate e de vinho (não misturados, é claro, ou, sabe-se lá...) pode muito bem se dar a esse luxo... a esse prazer.

Para quem está à espreita de algo mais verossímil, talvez encontrar o personagem do sexo masculino – Pedro – remoendo a angústia de uma suspeita de ter sido traído – como um Otelo enlouquecido –, talvez satisfaça melhor a busca por alguma verdade na literatura. Pois bem, Pedro sofreu como sofrem os homens padrão da nossa sociedade ao suspeitarem que estão “levando chifre”. Ao sofrerem, esses homens abrem uma vala enorme ao seu redor, na qual caem muitas pessoas de sua convivência, como a própria esposa e a mãe. Esse homem padrão também silencia. É um amante silencioso que ou mata ou morre, ambas as atitudes como um gesto incontido para punir a pessoa que, no seu imaginário, é a causadora de sua dor. Pedro silenciou, fechou-se. Elas cuidaram de Pedro.

Também há o célebre clichê da mulher que sofre porque se sente culpada por não engravidar, por não realizar o sonho do macho de ter descendentes, para ele provar a sua masculinidade, transferir seus genes, perpetuar sua estirpe.

Não posso também deixar de chamar a atenção para o fato de que, assim como o disse Anthony Burgess, um escritor é influenciado pelo seu entorno. Quem vive em um determinado meio, com todos os seus elementos naturais e/ou culturais, certamente vai inserir na sua poesia ou na sua prosa esses elementos: rios, montanhas, vales, charcos, o mar, florestas, riachos e regatos, a vegetação, a fauna e as obras feitas pela mão humana. É o ambiente um dos fatores que nos constroem como somos. Logo, é cabível que, ao falarmos literariamente, esses elementos se manifestem em nosso discurso.

Vários elementos da beira de rios araguaias em geral emergem com vigor na obra de Francisco Neto, e isso me faz perguntar se o autor tem na sua experiência de vida um tempo de residência nas proximidades de um grande rio, quem sabe nas proximidades do próprio Araguaia. Ou terá aprendido tudo sobre o rio em leituras ou em outras experiências, quem sabe conversando com algum morador dessa região, ou em filmes e documentários?

A culinária também não foi esquecida. Creio que faz parte dos elementos aludidos por Burgess. Em vários trechos, o leitor pode se deparar com listas de alimentos, frutas e iguarias bem características, que não poderiam mesmo ser encontradas em qualquer lugar, mas poderiam, sim, ser vistas e consumidas nas imediações do Araguaia. Imagino o que teria sido citado no texto se Francisco Neto vivesse em alguma região árida do oriente médio, ou no ártico, ou...

Vejo o texto – o conjunto dos textos da obra – como narrativas sobre fatos e eventos simples na sua superfície, que dão conta de coisas que acontecem na vida de tanta gente. Simples na superfície: o vento no rosto do menino Pedro à proa de um barco flutuando no grande rio; o gesto de saciar a fome com comida simples feita pelas mãos habilidosas e carinhosas da própria mamãe; ou ainda desabar de sono no colo da mamãe após uma noite de vigília, tenso por saber que uma nova experiência estava prestes a acontecer; a satisfação que não se pode medir de uma mamãe que olha feliz o filhinho saciar a sua fome; a morte de uma gatinha de estimação e o seu sepultamento tão triste e comovente; a confusão mental no meio de uma noite chuvosa, quando o sono não permite mais diferenciar realidade de alucinação; a angústia da menina que precisava descobrir de pai/mãe se “o seu primeiro filho você queria eu ou um menino”. E a pandemia. Isso mesmo! Essa pandemia de Covid-19 está no texto, de modo que o trabalho de Francisco Neto pode ser considerado um marco literário, pelo menos para mim, que ainda não li outra obra literária em que a pandemia é um dos assuntos.

Olhando com maior acuidade, pode-se ver a beleza e o drama do que se chama de viver: Francisco Neto reconstrói a vida por meio da linguagem, dando lugar ao corriqueiro, ao fantástico, às alusões a outras obras (haja vista que em Vale das Serras chovia mais do que em Macondo), ao clichê, mas à exploração da alma desses personagens que retratam tão bem o que somos ou gostaríamos de ser, ou até mesmo o que nunca gostaríamos de vir a ser ou de viver.

Se a vida parece ser simples, ela tem algo de estranho, de complexo, de oculto, que só conseguimos ver quando paramos para refletir (quem reflete nos dias de hoje? A massa refletia no passado?). Nós não refletimos como se fôssemos uma unidade, como uma coletividade, mesmo sobre o que há de mais trivial e ao mesmo tempo mais complexo da vida. Há quem reflita por nós e publique suas reflexões na forma de textos escritos, para que reflitamos em coro, arrastados pela corrente às vezes calma, às vezes turbulenta das letras literárias que se quer apresentam entre si pontuação para que saibamos tão logo onde devemos respirar e não perder o fôlego nem a compreensão do que é narrado para que nos insiramos na experiência da experimentação e das reflexões que deveríamos fazer de vez em quando mas acabamos por não fazer e tudo isso costurado com trechos poéticos que funcionam como palavras de sabedoria que traduzem em versos o âmago do narrado em prosa.

Por isso, de contos ou romance, obras como a de Francisco Neto são importantes. Elas são um caminho para reflexões, ou uma viagem para um mundo tão particular. Quem tiver tempo e paciência também terá, certamente, uma experiência maravilhosa com a leitura de À beira do Araguaia.

Lançamento do livro

 

O lançamento virtual de À beira do Araguaia ocorrerá no dia 18/11/2021, às 19h30, pelo canal oficial do Unitpac no youtube. Nessa ocasião, alguns professores convidados, filiados à Universidade Federal do Norte do Tocantins, à Universidade de São Paulo, à Diretoria Regional de Ensino de Araguaína e à Academia de Letras de Araguaína e Norte do Tocantins apresentarão suas impressões de leitura sobre a coletânea.

Covidados para participar do lançamento on-line. Foto: Divulgação

Autor

*Antonio Adailton Silva é Doutor em Ensino de Língua e Literatura pela Universidade Federal do Tocantins, Brasil. Docente do Centro de Línguas e Técnico da área de Currículo da Diretoria Regional de Ensino de Araguaína, Tocantins.