
Por Eugenio Pacelli de Morais Firmino*
Incursionando nos textos sobre a história local, observamos que a formação da cidade de Araguaína remonta ao último quartel do século XIX, quando aqui começou chegar os primeiros moradores. Estes vieram com suas famílias tangidas pela seca nordestina e atraídos pelo cheiro das águas “tocantinenses”, ou melhor, do antigo Norte goiano. No início, os novo habitantes se preocupavam mais com a apropriação da terra e os ataques dos nativos e dos animais “ferozes” que “infestavam” esta região. Mas, o que mais uniam as famílias recém chegadas era o sonho de progredir na vida, de viver uma vida melhor. Nesses primeiros tempos, progredir através do trabalho era um sonho mais concreto, pois o que se buscava era o progresso das famílias. Na realidade, progredir através do trabalho significava um sonho ligado à realidade mais próxima dos moradores. Ocorre que os sonhos mudam e se desenvolvem com o tempo. Neste processo, a conquista do poder na história depende de ações apropriadas ancoradas na posse de um saber, pois sem este não existe poder.
As grandes queixas relativas aos problemas vivenciados pelos goianos do Norte - e que os colocavam no desejo de separação do sul de Goiás -, eram notícias constantes em jornais da época, como o Gazeta Goyana, depois Estado de Goyas, e o jornal Folha do Norte, constituindo assim assunto e preocupação maiores para os nortistas de localidades consolidadas como Porto Nacional, Arraias e Natividade; mas não tanto para os recém moradores do lugar, este denominado inicialmente de livre-nos Deus.
É somente no decorrer das primeiras cinco décadas do século XX que o assunto relativo à separação de Goiás vai, aos poucos, ocupando o imaginário e os corações dos habitantes da antiga livre-nos Deus, chamada tempos depois de povoado Lontra; mas isto de forma lenta como lento era o crescimento do pequeno povoado. Aliás, o ritmo não somente era lento, mas, inclusive, era dependente do que os portuenses falavam acerca dos problemas e das potencialidades do Norte e da necessidade de separação de Goiás.
A partir da década 60, entretanto, o novo cenário histórico da região começa a mudar mais rapidamente, e nessa mudança o ritmo das construções físicas e culturais torna-se mais intenso. Contribuiu para isso acontecimentos decisivos e relevantes, como a emancipação política do município, ocorrida em 1958, e a construção da rodovia Belém-Brasília (BR 153). Politicamente “emancipados” e materialmente maravilhados com o barulho do progresso que por aqui chegava, derrubando árvores e construindo pontes, os cidadãos araguainenses tornaram-se, a partir desses dois acontecimentos, mais esperançosos, mais confiantes e mais sonhadores com um futuro que supostamente se anunciava potencialmente promissor para a cidade. Nessa década, Araguaína tinha 10.826 habitantes; uma década depois, na de 70, ela contava com 37.915 habitantes; com pessoas oriundas de todas as regiões do país e do exterior.
Assim, na década de 70, ou mais precisamente no final dessa década, a feição de cidade moderna já é visível em Araguaína, porém, não sem que, também, fosse relativamente visível a feição moderna de seus novos problemas estruturais. Estes, aliás, coexistindo ao lado de antigos e insolúveis problemas sociais. Sinais dessa modernidade aparecem evidenciados nos textos e relatos sobre a história local, consubstanciando-se na construção do Fórum de Araguaína, do jornal semanal Tribuna da Amazônia (1973), da sede dos Correios e Telégrafos, do terminal Rodoviário de Araguaína (1979), da Usina Hidrelétrica do Corujão, do 2º Batalhão de polícia Militar de Araguaína (1971), da Praça das Nações, da sede da primeira agência bancária do Banco do Brasil, do Aeroporto de Araguaína (1979), do Senai, do Posto Telefônico de Araguaína (1978), e, sobretudo, da Televisão (1976) e da Rádio Anhanguera (1979). O Hino local, reconhecido oficialmente em 1972, constrói, transporta e expressa uma imagem a partir desses sinais de modernidade, representando esta cidade como “bela”, acolhedora, rica, próspera, progressista, pujante e desenvolvida economicamente:
Araguaína, cidade hospitaleira
Bela, pujante que nos apraz
Em Goiás és flamejante estrela
Bendita sempre sejais.
Ordem e Progresso
És o teu lema, cidade varonil
És artéria palpitante
No coração do Brasil
Teu solo é tão fecundo
Que plantado dá
É também rico em minérios
E madeiras-de-lei de invejar.
Comércio e Indústrias
Prosperam lado a lado
És mesmo a capital
Econômica do Estado (Bis).
Na letra deste hino, percebe-se que no início da década de 70 os araguainenses representavam Araguaína como a “capital econômica do Estado”, ou seja, já elevada à condição de poder econômico estadual. Na época, Araguaína era a maior cidade do Norte de Goiás. Considerando que nessa época o movimento regionalista atingira um novo pico de efervescência da luta separatista no Norte goiano, observa-se que aquela representação expressava já um desejo, um sonho de esta cidade vir a ser a capital política de um novo Estado. Então, aí parece existir indício de que, naquele momento, começava a se esboçar um sonho novo, um sonho mais abstrato, relacionado aos interesses e aos ideais de uma “comunidade imaginada” local. Este sonho foi apresentado como ideal, configurando-se como o maior entre a multiplicidade de sonhos que povoavam o imaginário da população desta cidade. A nosso ver, nessa época tratava-se já de um sonho mais elaborado, mais desenvolvido; mas não constituía ainda uma promessa encantadora, uma espécie de “canto da sereia” local e regional; constituía apenas uma esperança sonhadora em uma de suas etapas de formação.
Assim, evidências parecem indicar que o velho sonho das famílias de progredir na vida através do trabalho em benefício próprio sutilmente se transfigurou, na década de 70 do século passado, no sonho ideal e afetivo de vir a ser a capital do futuro Estado do Tocantins. Mas não demorou muito para se começar a imaginar esse sonho como uma condição necessária, imperativa e capaz de garantir a continuidade do vertiginoso “progresso” local. A colocação desse sonho como uma condição vital para a continuidade do progresso local constituiu-se numa realidade viva, pulsante e visivelmente palpável no imaginário da população local no final daquela década de 70.
Orgulhosos, envaidecidos e otimistas com o movimento separatista e com o “progresso” local, a cultura araguainense começou a expressar, naquele momento, o que a história parecia reservar para esta cidade em termos de conquista do poder político regional. Assim, incursionando na esfera cultural local, encontramos palavras escritas por alunos do ensino fundamental onde na data de aniversário da cidade cantavam, em tom comemorativo - “Araguaína, futura capital do Tocantins”, transformando o sonho da capital em um apelo cultural:
Já vi coisas bonitas
Dando louvores fatais.
Mas, Araguaína será
Das mais sagradas capitais.
Neste teu aniversário,
Quero dar-te minha gratidão
Araguaína tão ditosa
Cidade do meu coração.
Neste progresso crescente
Breve será capital
Vamos trabalhar amigo
Seja nosso ideal.
Tanta gente trabalhando
Para esta cidade melhorar
Futura capital do Tocantins
Araguaína breve será.
Neste progresso crescente
Breve capital dolente
Vamos em busca, amigo,
De um progresso mais atraente.
(Coletânea de poesias – 11/1978)
De condição para a continuidade do progresso local, o sonho ideal rapidamente se desenvolveu para uma espécie de apelo cultural afetivo. A despeito dessa nova transfiguração, é importante frisar, no entanto, que o sonho ideal e de condição para a continuidade do progresso local não desaparecerá, em absoluto, do imaginário local, permanecendo instituído e vigoroso até a data da escolha da capital provisória do novo Estado, ocorrida em 1988. Entrevistado pela Revista Municipalista no ano de 1986, Expedito Justino “um poeta do povo” que “só responde às perguntas com poesia”, revelava, ao falar sobre Araguaína, que “Aí rola um comentário que o povo está falando que você está brilhando igual pedras de rubi. Eu admiro demais o desejo do pessoal se tu for a capital Estado do Tocantins”. Contudo, nessa mesma época observa-se que outras transfigurações estavam se processando.
Por volta de 1986/87, o sonho ideal também aparecerá como exigência política imperativa feita por segmentos da cultura política local. Ou melhor, por parte de uma multiplicidade de sistemas de significações que forma a cultura de uma determinada comunidade ou sociedade, conforme nos sugere o etnólogo Denys Cuche. Sobre esse sonho, transmutado em exigência política imperativa, talvez o caso mais emblemático seja o de Corneliano Eduardo de Barros, prefeito de Araguaína nos anos 1985 a 1988. Conforme relatado por moradores desta cidade, o prefeito em certas ocasiões afirmou: “se Araguaína não for escolhida a capital definitiva do Estado do Tocantins nós vamos separar, formar o Estado do Araguaia com capital Araguaína”. Nas duas últimas décadas deste novo século alguns passaram a considerar isso “uma loucura do prefeito”, “como se ele pudesse alguma coisa” neste sentido. Na verdade, o que ocorreu foi que, quando Palmas se consolidou símbolo do poder estadual, essa ideia do prefeito Corneliano Barros passou a ser considerada um blefe político inconsequente, ou, como se diz no jargão oficial, uma bravata desnecessária. Contudo, reconhecido por segmentos da direita e da esquerda como um dos melhores prefeitos de Araguaína, visto por alguns como uma “alma boa”, a sua ideia de fazer Araguaína capital de um possível outro Estado, o Estado do Araguaia, caso ela não fosse escolhida capital do Tocantins, foi, como se ver, expressão de um sonho viril politicamente impetuoso e naturalizado, sobretudo na segunda metade da década de 1980.
Em 1988, Araguaína contava com uma população estimada em 95 mil habitantes. E, nessa época, o sonho da capital novamente será transfigurado em promessa política, isto é, numa espécie de “canto da sereia” por parte da cultura política regional e local. Caso emblemático, neste sentido, é o do deputado federal José Wilson Siqueira Campos durante as primeiras eleições para governador do Estado do Tocantins. Conforme relata um professor do ensino de primeiro e segundo graus desta cidade:
“...em Araguaína teve um sonho grande, o novo Estado, a capital do Tocantins. Pena que quando o deputado Siqueira Campos estava falando, prometia a Araguaína que Araguaína seria capital do Tocantins; só que ele prometia em Araguaína, prometia em Paraíso, prometia em Gurupi, prometia em Porto Nacional. Afinal, então o que aconteceu? Elegeu a cidade mais central, que nunca sonhou de ser a capital provisória, Miracema. De modo que, quando ela se sentiu traída, Araguaína, soube-se, se sentiu traída. E aí teve um mal-estar geral. Mesmo que hoje, talvez refletindo bem, é melhor que seja Palmas mesmo. Já imaginou se a capital fosse em Araguaína?! Aquele leste do Tocantins ficaria esquecido. Mas o que a gente lastima, são as artimanhas que fazem para conseguir; infelizmente o que eu sempre prezei foi o jogo da verdade...”. (A.B. Depoimento colhido em 12/02/2001)
Após anos e anos vividos sob as brumas de um longo sonho, no dia 07 de dezembro de 1988, quando a decisão política foi proclamada, declarando Miracema a capital provisória do Tocantins, instantaneamente os araguainenses se sentiram “traídos”, “apunhalados pelas costas”; e o que era sonho rapidamente se transformou em um grande pesadelo; ao despertarem os araguainenses perceberam que estavam em situação de revolta, enfrentando a polícia após interditarem a BR 153, inclusive ameaçando dinamitar a ponte sobre o rio Lontra, na saída para o sul do Estado em direção à Goiânia.
No quadro político que se formou, “traição” e “covardia” foram as palavras chaves no turbilhão das discussões políticas fervorosas, acaloradas e nervosas. Movidos pela força de um sonho “traído”, na madrugada do primeiro sábado de aleluia - em 1989, portanto, durante as celebrações da primeira semana da páscoa após àquele evento - um boneco do governador Siqueira Campos representando “o Judas de Araguaína” foi violentamente esfolado em via pública. Contudo, é plausível considerar a atitude do governador Siqueira Campos, relatada logo acima, uma “traição”, uma “covardia” tramada secretamente contra o povo de Araguaína? Do ponto de vista da ética, da moralidade universal e do “politicamente correto”, talvez sim; do ponto de vista do jogo eleitoral, do pragmatismo político e da história política real, talvez não. Ora, porque?
A prática de fazer promessas, que muitas vezes não são cumpridas, sempre se fez presente na cultura eleitoral nacional, sendo isto, portanto, um fato comum, recorrente e constituído como tradição. Quase todos (as) sabiam disto; quase todos sabiam que políticos e partidos sobrevivem fazendo promessas; mas quase todos (as) fingiam, inconscientemente, não saber nada sobre isto. Em 1988, marcado como “o ano em que fomos traídos”, a tradição de fazer promessas - principalmente em época eleitoral - não havia sido quebrada em Goiás, nem em Tocantins, por mais que aqui também se tivesse prometido, durante as lutas pela criação do “novo” Estado, que tudo seria radicalmente diferente.
Em Araguaína, Siqueira Campos prometeu fazer desta cidade a capital do novo Estado por duas razões: primeiro porque fazia tempo que ele, de fato, tomou conhecimento que isso era o sonho da maior parte de sua população, um sonho “grande” acalentado e transmutado no transcorrer de muitos anos; segundo porque, para se eleger primeiro governador tocantinense, ele sabia que precisava dos votos de Araguaína, maior colégio eleitoral do Tocantins. Conforme nos informa o jornal Diário da Manhã em agosto de 1988, em 1986 Araguaína contava com cerca de 40.559 eleitores. No ano de 1988, a maior proeza de Siqueira Campos parece ter sido a capacidade de se apropriar de um sonho alheio, transformando-o numa promessa política empolgante e encantadora, num canto político melodioso capaz de penetrar, portanto, suavemente bem nos ouvidos e nos corações da maior parte da população local. Estratégia política vitoriosa que lhe rendeu, na votação local, o percentual de 80% dos votos na primeira eleição para governador do Estado do Tocantins. Então, de fato, Siqueira realmente soube jogar o jogo da política eleitoral. Em um cenário eleitoral muito movimentado e apressado assim ocorreu, sem que os araguainenses, sobretudo os mais paroquianos, percebessem que o jeito como sonharam e a forma como administraram o velho sonho o transformou num de seus verdadeiros calcanhares de Aquiles. Expressando o sentimento de “mágoa” pela suposta “covardia” com os Araguainenses, o vereador Antônio Raimundo da Costa disse:
“...o nosso povo sempre acreditou, que Araguaína, seria a capital do Tocantins, porém ontem a decepção foi enorme, ao saber que será Miracema. ...o governador eleito deve muito à Araguaína e ao seu povo que lhe dedicou 80% dos votos. (...) O povo foi traído, e é por traições assim, que cada vez se acredita menos nos políticos. E o que estamos vendo em nossa cidade é o desabafo de um povo que se considera traído mais uma vez. Devemos procurar valorizar Araguaína ainda mais, cobrar as promessas feitas...”. (Ata da 4ª sessão ordinária da Câmara Municipal de Araguaína – 08/12/1988)
Ocupando a tribuna da Câmara Municipal de Vereadores numa linda tarde do dia 09 de dezembro de 1988, o vereador Nivaldo Pereira Ribeiro afirmou, “o dia 07 de dezembro passará à História de Araguaína, como o dia da traição”. Todavia, muitos sabiam que eram antigos os estudos, os debates e as discussões sobre o local onde seria a capital definitiva do Tocantins; muitos sabiam também que existia o plano de construir a capital no centro geográfico do novo Estado. Aliás, no ano de 1987 quando o novo Estado esteve na iminência de ser criado legalmente, e no de 1988 quando o Tocantins foi criado de fato e de direito, essa questão foi debatida mais permanentemente. Nesses dois anos a questão foi tão fervorosa e nervosamente debatida que as discussões chegaram ao ponto de provocar o temor de uma possível cisão no seio da luta separatista no Norte de Goiás. Quanto à este risco real, as lideranças da esquerda e da direita operaram com zelo e destreza, sendo inclusive muito cautelosos em seus discursos e tomada de posição, evitando inflamar os ânimos “jacobinos” de alguns ou dos mais inclinados ao paroquialismo local
Após anos e anos de debates e discussões realizadas, quase todos (as) sabiam que os núcleos duros da intelectualidade, da esfera política e do segmento empresarial já haviam planejado a capital definitiva do Tocantins construída no centro geográfico do novo Estado. Para os teóricos separatistas, o Estado do Tocantins não devia repetir o erro histórico de Goiás, que não construiu sua capital no centro geográfico do Estado. Aqui, a alternativa de construir a capital no centro geográfico constituiu a estaca intelectual mais dura e segura do movimento separatista. Como nos diz o historiador Michel Foucault, saber é poder. Ora, o saber como poder garante que sonhemos com os pés no chão; permite o estado de vigília permanente, especialmente com o jogo político, com as “artimanhas” na história e as auto ilusões individuais e coletivas; possibilita o desencantamento; e garante, enfim, que se veja o homem de carne e osso e não uma figura abstrata, mítica, dotada de atitudes absolutamente santa e verdadeira.
A “tese”, segundo a qual a alternativa mais viável seria construir a capital no centro geográfico do Tocantins, constituía um conhecimento disponível elaborado pelo núcleo duro da intelectualidade do movimento separatista e abraçado pelo núcleo duro da política. Este, pelo visto, não cogitou contrariá-lo. Nas terras do cerrado tocantinense, a referida “tese” era a estaca dura e segura na qual todos eles estavam amarrados, e serviu para que nenhum deles se deixasse encantar por um canto da sereia qualquer, ou melhor, por outra promessa encantadora que não fosse a real - a do centro geográfico. Entre os que se encontravam amarrados naquela estaca dura e segura, lá estava - no pleito eleitoral de novembro de 1988 -, José Wilson Siqueira Campos, deputado federal por Goiás e candidato a primeiro governador do Estado do Tocantins. No final desta história, prevaleceu o plano dos teóricos e as conveniências financeiras do núcleo duro do movimento separatista, este constituído por políticos e empresários poderosos da região.
Importa lembrar, inclusive, que em 1987 políticos e empresários não hesitavam, quando interpelados pela imprensa, assumir posição cerrada, porém cautelosa, sinalizando assim o que de fato aconteceria sobre a escolha da capital. Vejamos uma destas posições, publicadas no jornal o Estado do Tocantins em dezembro daquele ano: “Deputado Hagahús Araújo: ‘a futura capital deve situar-se na região central do novo Estado. Acatarei as decisões dos teóricos’”.
Finalmente, o que faziam e como estavam os araguainenses paroquiais e sonhadores nos últimos meses de 1988, durante as eleições estadual? E o que aconteceu com eles no final desta história? Mergulhados e envolvidos na campanha eleitoral, os araguainenses continuavam sonhando, porém agora jogando o jogo eleitoral, ou melhor, ouvindo políticos tradicionais cantarem insistentemente - “Araguaína, futura capital do Estado do Tocantins”. Confiando em palavras e discursos alheios, os araguainenses aguardaram confiantes a grande decisão política que, de uma forma ou de outra, parecia vir inquestionavelmente como reconhecimento ou presente. Desprovidos de uma estaca intelectual dura e segura onde pudessem se segurar, os araguainenses deixavam-se trair pelo próprio sonho e por uma promessa política encantadora. Incapazes de resistir à essa promessa política sedutora, os mais eufóricos e radicais estavam prontos para despertar de um “lindo sonho de verão”. E despertaram. Porém, ao acordarem após o naufrágio se viram afogando-se nas águas revoltas de um “mal-estar” local...e de cara com os fuzis e os cassetetes da polícia estadual. No final, a decisão contrária à Araguaína momentaneamente liberou os araguainenses do domínio do antigo estado de espirito sonhador, colocando-os diante de uma situação inesperada e jamais desejada antes daqueles dias sete e oito de dezembro de 1988. “Ocupa a tribuna o edil Nivaldo: dizendo o quanto o povo de Araguaína é amigo e ordeiro. Deixa registrada a sua decepção pelo tratamento brutal dispensado a alguns cidadãos, pela polícia militar, no incidente da BR 153”. (Ata da 5ª Sessão ordinária da Câmara municipal de Araguaína – 09/12/1988).
Considerado, nas duas últimas décadas deste século, um sonho simplesmente egoísta; encarado, na segunda metade da década de 80 do século passado, como uma decisão a ser conseguida nas urnas, a conquista da capital realmente representou um desafio cultural, uma questão intelectual e política a ser decidida racionalmente pelos araguainenses. Ocorre que, naqueles tempos, parece que ninguém atentou para isto em Araguaína; os araguainenses preferiram jogar o jogo da política eleitoral.
Sobre o autor
Eugenio Pacelli de Morais Firmino é historiador e professor do curso de História da Universidade Federal do Tocantins, campus de Araguaína.